terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Trapaceira - Mais uma aventura de Sony Boy




Era uma noite no meio de um inverno rigoroso cheio de neve numa cidade no meio do coração da América. O vento gelado corta a pele da cara de um jornaleiro ambulante que grita:
“Extra! Extra! Morre baterista de jazz no Morrison Hotel de Nova York sob curiosas e macabras circunstâncias! Leiam enquanto ainda está quente!”
Há poucas quadras daquele pequeno e mal agasalhado personagem, pessoas do pior tipo, cuja vida não passou de azar, aglomeram-se no bordel para fugir do frio e da solidão. A casa está lotada nessa noite de fumaça, conversas, risos, brigas, dançarinas tirando a roupa por gorjetas e uma banda chamada “Lap Dance” tocando um blues rasgado da melhor sonoridade com um piano velho, um saxofone e uma negra seminua cantando uma letra obscena. A luz do estabelecimento iluminara todo o ambiente de vermelho. O nome da casa é Blecaute Blues. A dona e cafetina se chama Alessandra Facada nas Costas, mulher de meia idade ainda atraente, ainda perigosa e muito esperta. Eu bebo um uísque feito na banheira de um dos contrabandistas mais quentes de Chicago enquanto penso:
“Ah, a insanidade! O que podemos dizer sobre a insanidade? Só duas coisas: ela pode matar e a outra eu não lembro. Maldita pancada na cabeça! Está tudo girando e escurecendo. Acorda merda! Não posso me dar o luxo de cair no sono nesse momento. Esse sangue que escorre da minha cabeça é quente e o sangue da minha boca é salgado. Acho que perdi um dente. É, certamente, eu perdi um dente.”
São duas horas da manhã quando o show da banda Lap Dance termina. Depois do incidente no laboratório de drogas que deformou a metade da minha cara, não tenho conseguindo transar nem pagando. As dançarinas e prostitutas do bar passam por mim como se eu fosse um fantasma. Eu não as culpo. Levaram meses para eu poder me olhar no espelho sem vomitar. O pequeno saxofonista fala com a Alessandra Facada nas Costas, atravessa a pista e senta-se à mesa em que estou de frente para mim. O músico em questão parecia nervoso, mas provavelmente tinha acabado de cheirar um monte de cocaína. Ele estava rangendo os dentes e tremia o corpo inteiro. Garoto bonito de cabelos pretos, vinte anos e as olheiras de alguém que nunca dorme.
-Olá, Sonny! Você a encontrou? - Ele me perguntou.
-Sim. Ela está morta. - Eu respondi acendendo um cigarro. O garoto ficou abalado. Sua expressão mudou como se estivesse mastigando merda. Seu nome é Little Peter, ele procurou a minha agência de investigação há um ano, após sua noiva, Marie, o abandonar por um contrabandista. Era um trabalho simples que bastava gastar um dia por semana para saber como ela estava. Isso, é claro, sem ela saber. Mas teve uma semana em que ela e o contrabandista chamado de Canino sumiram e não foi possível encontrá-los durante três meses até o dia de ontem depois que Little Peter recebeu um telegrama que dizia:
“Querido, sinto sua falta. Quero voltar pra você, mas preciso de dinheiro. Por favor, mande mil dólares. Se você não quiser mais me ver, eu entendo. Mas, por favor, mande o dinheiro mesmo assim. Sua M.”
-O que aconteceu? – Ele perguntou ainda mastigando merda. Eu me odiei nesse momento. Little Peter é um cara legal, embora fosse muito ingênuo e um tanto estúpido, ele realmente amava a moça. Desde a primeira vez em que falei com ele me solidarizei com seu caso, e é de partir o coração vê-lo sofrendo dessa maneira. Obviamente ele a queria de volta e me mandou para o endereço indicado para levar o dinheiro e se possível buscar Marie.
-O telegrama era uma falcatrua de um vigarista de baixa categoria. Ele arranjou uma garota parecida com a Marie. A princípio ele fingiu que não sabia de nada, mas após pressionar os dois ameaçando prendê-los por fraude, eles me deram o endereço do Canino. O nome do vigarista era John, a garota se chama Judy.
-Era John? – Little Peter perguntou.
- Ele morreu também. Não se preocupe. Irei explicar tudo exatamente como aconteceu. Eu deixei um policial cuidando do John e Judy e fui ao endereço dado com o plano de dizer que estava investigando um assalto a banco e como é comum um detetive tentar incriminar qualquer bandido por qualquer crime, Marie não saberia que ela estava sendo investigada, e como a descrição do assaltante é bem diferente do macaco do Canino ele não ficaria nervoso com a situação, mas ninguém atendeu. Então eu falei com a senhoria, ela abriu o apartamento e eu encontrei a Marie morta no chão da cozinha com apenas um olho roxo como ferimento. Voltei para o endereço do telegrama para ter um papo com John. Ele confessou ser amante da Marie e ele confessou ter planejado o golpe para terem dinheiro para fugirem do Canino. Porém antes de contar mais, Canino apareceu na janela do apartamento na escada de incêndio, deu dois tiros na cara de John e fugiu. Eu fui atrás dele trocando tiros por duas quadras. Quando nossas balas acabaram eu tentei dominá-lo no mano a mano, mas como pode ver acabei levando uma bela surra.
- Puta merda!
- Algumas horas depois Canino foi morto por dois policiais no cais.
-Puta merda! Não sobrou ninguém?
-Apenas Judy.
-O que essa aí tem de importante? Ela sabe de algo? Como Marie morreu?
-Ela foi envenenada.
-Puta merda! Por quem?
-Por ela mesma.
-Está me dizendo que foi suicídio?! Não! Isso é impossível! Ela era vaidosa demais para se matar. Aposto que foi a Judy! Aposto que ela tinha um caso com o John e quando descobriu que ele ia fugir com Marie, ela planejou tudo. Envenenou a Marie de forma que fizesse o Canino pensar que John fosse o culpado, sabendo que o Canino mataria John. Assim ela se vingaria dos dois em uma só jogada.
-Essa é uma teoria razoável, considerando o que você sabe até agora. Talvez você desse um detetive melhor do que eu. Por um tempo nós acreditamos nessa hipótese e seguramos Judy por algumas horas na delegacia. Até que chegou a autópsia. Marie estava sendo envenenada há dois meses e Judy estava cumprindo pena por prostituição até duas semanas atrás. Então tudo ficou claro. Marie havia feito isso, mas não pra acabar com a própria vida. Ela planejara o assassinato de Canino com John. Ela tomou o veneno em pequenas doses, aumentando-as gradativamente até acostumar seu organismo, assim quando fizesse a comida envenenada para Canino, a polícia não suspeitaria dela já que ela também teria se alimentado do mesmo prato, mas foi impaciente e aumentou demais a última dose.
-Puta merda! Essa é a pior história que eu já ouvi na vida.
-Sim. Não é nada bonita. É apenas a verdade crua. A vida é assim. Não há finais felizes nem uma lição de moral enfeitada. É tudo sujo, feio e triste. Sinto muito.
-Você fez o que devia ser feito. E por isso sou grato. Você está um trapo. Uma das garotas da casa já foi enfermeira. Vá para o meu quarto lá encima. Ela cuidará de você.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Terror Noturno por Pedro Medeiros


Acordei às 13 horas com uma puta dor de cabeça e um puto mau - humor. Fui para a cozinha com o chão cheio de cacos de vidros quebrados e as paredes cheias de mofo. Abri a geladeira e me servi das únicas duas coisas que havia dentro dela: Uma panela de arroz e três bifes. Após comer, lembrei-me da existência de uma garrafa de conhaque uma terça cheia em algum lugar em meio à bagunça do meu luxuoso JK. Abri o armário e nada! Olhei embaixo da cama e atrás da escrivaninha e nada! Não a encontrei em nenhuma das gavetas da minha cômoda e nem embaixo de qualquer uma das roupas sujas jogadas por todo o quarto. Eu me engasguei. A dor de cabeça aumentou. Meu estomago virou do avesso. Meus joelhos vacilaram bambos e trêmulos. Senti um desespero de gelar o sangue, uma agulha quente sendo enfiada em meu coração e as paredes do quarto me esmagando, corri para o banheiro e vomitei todo meu almoço acompanhado com ácido estomacal. Enfim, encontrei o conhaque dentro da banheira. O alívio foi tão grande que tive ataque de risos por vinte segundos. Matei a bebida em três goles servidos em diferentes doses consecutivas, me senti melhor, mas não muito... Preciso de férias, um bom seguro de vida e uma casa na praia, quando tudo o que tenho é um revólver que comprei semana passada para me suicidar, uma garrafa vazia e uma imensa e valiosa coleção de contas atrasadas e ameaças de despejo. Fraco e cheio de frustrações volto para a cama.

Acordei deitado num divã de couro marrom feito em madeira mogno e extremamente confortável em uma sala bem mobiliada com uma estante do tamanho da parede sul de madeira nobre pintada em preto lotada de livros, uma grande mesa de escritório quase no centro envernizada e polida e uma cadeira inclinada de muito bom gosto onde uma gostosa com pinta de estudante de psicologia me olhava por cima de óculos de graus enquanto mordia uma caneta com dentes brancos e lábios rosa. Uma loura de olhos claros quase transparentes, cílios e lábios grandes, dentes brancos e perfeitos e um olhar de uma gata mirando um rato momentos antes a refeição, vestida numa roupa de secretária com os dois botões de cima da blusa abertos, revelando boa parte de seus seios, não deixando muito pra imaginar. Mulheres desse tipo (fatais) sempre me deram a impressão da presença do perigo eminente, mas talvez seja porque eu tenha lido demais as histórias de detetives dos anos 50.
-Você está lidando com os seus problemas da maneira mais difícil. –Ela falava- Projetando a raiva em você mesmo.
-Em quem eu deveria projetá-la?- Perguntei.
Em seu colo repousava uma prancheta cheia de fotos de crianças em vestidos azuis mortas. Ela mostrava-me as fotos e perguntava:
-O que você vê?
Eu respondi todas as vezes:
-Sangue!
Ela escreveu na prancheta e disse:
-Interessante! Como você tem dormido?
-Chapado!
Ela levantou-se graciosamente, largou a prancheta e a caneta em cima da mesa, aproximou-se de mim rebolando sensualmente, então com toda a delicadeza que só as mulheres são capazes de simular furou os meus olhos com suas longas unhas vermelhas e me perguntou:
- E como você se sente?

Despertei gritando encharcado em suor tremendo de frio embaixo da cama. Rastejei alguns metros e levantei com dificuldade. Meu rádio relógio marca meia-noite. Pego um pé-de-cabra do armário, saio para o corredor do prédio, desço dois lances de escadas e chego ao térreo. Uso a ferramenta para forçar a fechadura do depósito da zeladoria que fica entre o estacionamento e o elevador em manutenção ao lado da portaria. Arrombo a porta com um pequeno esforço, entro e acendo a luz. Vejo meia dúzia de baratas correndo e se escondendo em buracos nas paredes. No chão havia material de pintura, produtos de limpeza, uma caixa de ferramentas, um saco de cimento, lâmpadas, vassouras, esfregões, etc. Escolhi uma lata de dois litros de solvente fechada e voltei para o conforto do meu cubículo.
Mais uma vez na solidão de meu refúgio, usei o mesmo canivete de mola que uso para assaltar idoso no centro para abrir a lata roubada. Mergulhei uma meia podre em seu conteúdo liquido e grosso. Aspirei a meia até anestesiar-me. Quando ela secava, eu repetia mecanicamente a ação até não conseguir mais me mexer.

Eu estava muito bem desperto e paralisado. Tentei me levantar com o esforço que só o horror obriga-nos a fazer e não consegui mexer um músculo. Após um tempo que pareceu ser uma eternidade e com uma força sobrenatural, levantei e caminhei até a porta com um desejo inexplicável de fugir daquele lugar. Estendi a mão em direção a maçaneta, cessei o movimento, olhei para o apartamento e avistei um cara de altura mediana, magro, cabelos escuros e bagunçados de camiseta regata e calça surrada deitado inconsciente no chão do quarto. Quando me dei conta percebi que estava de pé na entrada do apartamento olhando para o meu próprio corpo em torpor com uma meia na cara. Saio do quarto.
As paredes vazavam merda que enchia o corredor com profundidade de dez centímetros. As baratas cobriam todo o resto. E o fedor era insuportável. Nenhum esgoto da cidade seria pior do que aquele lugar naquele momento. E bem no meio de toda essa asquerosidade havia uma linda menina de oito anos num bonito vestido caseiro azul cheio de detalhes em fitas brancas. Seu longo cabelo castanho escuro parecia preto na escuridão do corredor. Seus olhos grandes e redondos parecidos com pérolas negras brilhavam mais do que qualquer outra jóia no fundo do mar. E o machado em suas mãos pingando sangue sujava ainda mais o seu vestido.
A garota largou o machado, correu em minha direção, agarrou minhas pernas com o máximo de força que conseguia com o seu pequeno abraço e disse:
-Mano! Eu sempre soube que te encontraria e tive tanto medo!
Caí de joelhos, segurei seus cabelos e chorei.

Acordei no chão do quarto ao meio-dia de ovo virado e nadando em vomito. Levantei tonto com a senhoria gritando e batendo na minha porta como se fosse arrebentá-la:
- Abra a porta, Javier! Eu sei que está aí e não irei a lugar algum antes de receber o meu dinheiro! Se não sair daí sozinho, sairá com a polícia, atrofiado filho da puta!
A senhoria é uma encantadora senhora alemã diabética, asmática, obesa, cardíaca, deficiente e peluda. Sempre imaginei fumaça saindo de sua respiração como se houvesse enxofre em seus pulmões. Ela nasceu com uma deficiência genética que impediu seu braço esquerdo e suas pernas se formarem completamente. Seu braço terminava no cotovelo onde se via pequenos dedos, e suas pernas de pau necessitavam de mais algumas mãos de verniz.
Deixei ela gritando no corredor e fui ao banheiro cuidar da minha higiene. A proprietária foi embora depois de uma hora. Enrolei um baseado, coloquei o disco Birth of the Cool do Miles Davis e me chapei. Após sete horas, quinze discos e seis baseados, ouvi passos de uma mulher usando salto alto subindo as escadas chegando ao meu andar. Abri a porta e a vi.
Sua beleza óbvia impedia qualquer pessoa de botar defeito. Seu lindo rosto inocente mataria qualquer anjo de inveja. Alta, magra e elegante. Vestia um vestido curto de verão. Seus seios sem sutiã estavam tão soltos quanto seus cabelos escuros. Seus grandes e brilhantes olhos eram-me familiares.
- Oi!- Ela disse quando reparou que eu estava observando-a.
- Olá! Está se mudando?
- Sim, estou. Me chamam de Seca.
- Sou Javier. Você está sozinha?
- Claro, eu prefiro assim.
- Pois não devia! Está lixeira não é apropriada para alguém como você.
Ela sorriu e respondeu:
-Bem... Vou aceitar isso como um elogio, Javier.
- Não passa de um bom conselho, talvez o melhor que alguém já tenha lhe dado. Toda semana vejo um infeliz ser esfaqueado da minha janela, brancos ou negros.
- Agradeço a preocupação – Seu olhar e seu sorriso me atordoaram. – Minhas coisas chegarão amanhã às quatro da tarde. Quer ser meu amigo e me ajudar a subir as caixas?
- Claro! – Respondi confuso.
- Obrigada! Até amanhã!
Seca entrou no apartamento 27 que fica em frente ao meu, fechou a sua porta e eu fechei a minha lembrando-me daquelas pérolas negras com cílios longos. Só havia visto olhos iguais uma vez há muito tempo atrás...

Era o meu aniversário de cinco anos, quando minha irmã, Julia, nasceu. Nessa época eu já sofria de uma enfermidade que os médicos chamam de Pavor Nocturnus, leigo: Terror Noturno. Tal mal é um raro fenômeno ameaçador durante o sono muito confundido com o sonambulismo, a diferença desse distúrbio é o comportamento eufórico e violento do doente acompanhados de falta de ar, agitação extrema, alucinações, gritos, comportamento destrutivo e amnésia. Suas causas ainda são desconhecidas, o mais acreditado é ser origem fisiológica e não psicológica. Seguidamente, levantei no meio da noite e embora estando quase que consciente, minha mente continuava presa em meio de pesadelos, geralmente acordava confuso, em pânico e acreditando que alguém estaria tentando me matar. Em alguns casos saí para a rua, andava de bicicleta até amanhecer e eu despertar completamente, inclusive quebrei o próprio braço certa vez.
Minha irmã possuía uma curiosa característica que chamava a atenção de todos que a conheciam: Seus olhos. Seus lindos, grandes, escuros e hipnotizantes olhos. Idênticos aos de Seca! Quando Julia ficava chateada ou era contrariada, mordia os beiços, cruzava os bracinhos e chorava espremendo suas lágrimas sem jamais fazer escândalo.
Julia tinha oito anos quando em um dos meus ataques de Terror Noturno a estrangulei até a morte em sua cama. Após a grande tragédia que foi tal acontecimento, dezenas de terapeutas me diagnosticaram e receitaram-me centenas de drogas pesadas. Meus pais começaram a me amarrar na cama toda a noite. Diziam que era para eu não me machucar, mas era evidente o medo que sentiam de mim. Então eu cresci. Eles disseram que existia algo de errado comigo (algo perturbador e misterioso). Aos dezesseis anos fui internado num hospital psiquiátrico e submetido à terapia de choque.
Fui torturado quatro anos naquele inferno. Matei um enfermeiro usando uma mola que arranquei de um dos colchões, roubei um punhado de morfina e fugi.

O dia seguinte foi um dos primeiro dias agradáveis que tive em toda a minha vida. Seca estava linda, vestida num vestido mais curto do que o do dia anterior. Que par de pernas celestiais! Duvido que exista beleza maior em todo o universo! E quem pensar o contrário não passa de uma bicha! Ajudei a subir todas suas caixas até seu apartamento, o que não foi pouca coisa. Só de livros eram cinco, e de roupas até perdi a conta. No meio da tarde mostrei a ela em que estava se metendo, apesar de toda a sordidez do bairro, ela pareceu se divertir com o passeio. No final da tarde subimos em seu apartamento. Ela serviu-me uma taça de vinho. Trocamos gracinhas, sorrisos, flertes, etc. Bebemos mais duas taças de vinho, três, quatro, cinco, seis, sete... Depois da oitava parei de contar. Seca podia ser caprichosa, delicada, meiga e linda como uma garotinha, mas bebia feito um estivador desempregado. E em menos de um dia, eu me apaixonei pela primeira vez. No final da noite, combinamos outro passeio pela cidade. Ela abriu a porta, disse tchau, deu-me um longo e ardente beijo, sorriu e fechou a porta. Eu atravessei o corredor e fui dormir na minha própria cama.
Sonhei com praças verdes, céus azuis, crianças brincando sorrindo nos balanços, nas gangorras e escorregadores. Sonhei com bolinhas de sabão e algodão doce. Sonhei com uma mulher magra e alta de olhos grandes e brilhantes. Sonhei com Seca e um piquenique na grama com salgadinhos, cerveja, maconha e cocaína.
O sonho acabou com um policial me sacudindo. Uma tropa levantou-me da cama e prenderam meus pulsos com algemas. A senhoria gritava palavras incompreensivas. A minha porta estava aberta e pude ver a porta da frente suja de sangue do apartamento no qual Seca tinha se mudado e uma trilha de sangue que vinha daquela porta número 27, atravessava o corredor e entrava no meu apartamento. Então percebi que meus sapatos, meus pés, minha calça e camiseta estavam tingidas de vermelho. Oficiais fizeram uma busca nas minhas coisas e encontraram maconha, um revólver carregado e nunca usado que não tenho licença para ter e o mais surpreendente foi achado em uma caixa de sapatos ao lado do meu armário: Uma faca e uma colher sujas com sangue coagulado juntas com um par de olhos grandes escuros que nunca mais brilhariam.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Filho do Açougueiro por Pedro Medeiros


À meia-noite em uma fria sexta-feira 13 em um cemitério infestado de corvos e ratos em Londres, o vulto de um homem alto e muito magro de cartola e vestindo um longo sobretudo escuro caminha apressadamente entre as lápides e a neblina da madrugada que impede qualquer pessoa de enxergar qualquer coisa a mais de dois metros de distancia. O homem passa por um velho coveiro dormindo dentro de uma cova abraçado a uma garrafa de dois litros vazia e diz para si mesmo “Ah... A embriaguez: o sono dos justos e mal amados!” Ele atravessa o cemitério e entra em uma catedral gótica de arquitetura monumental- cheia de estátuas de gárgulas e uma imensa escadaria que dava numa pesada porta de madeira e ferro de três metros de altura e três metros de largura-. O interior da catedral impressionaria qualquer ser - humano tanto quanto um anão vestido de palhaço matando oito pessoas a sangue frio. O ar pesado e o cheiro de velas opressivo e solene deram a impressão ao visitante noturno de Deus estar ali mesmo observando e julgando. O homem alto caminhou até o final do tapete vermelho que vai da entrada ao altar onde um padre idoso e um pouco acima do peso com a boca e os dentes roxos e as bochechas vermelhas, cabelos brancos, vestido numa toga amarrada na cintura por uma corda de náilon mamava uma garrafa de vinho quase vazia.
“Seja bem vindo à casa de Deus! Aceita um sanguezinho do filho dele? Hehehe!” O padre disse balançando a garrafa para o homem que entrara. O aspecto do visitante era a de um homem doente e cansado. Ele estava extremamente pálido, olheiras profundas e roxas, tremia nervosamente e tinha um tique nervoso que contrai sua narina direita e faz seu olho piscar involuntariamente. Usava calças curtas demais que acabam antes dos tornozelos e expunha suas peúgas velhas, sua cartola toda remendada revelava-se em péssimo estado, assim também como suas mãos cheias de cicatrizes.
“Eu vim para me confessar, padre.” O visitante disse.
O padre largou a garrafa e falou vestindo o capuz: “Muito bem, meu jovem. Acompanhe-me!”
O homem seguiu o vigário. Ele não gostou de entrar no confessionário. Sentiu-se sufocando dentro daquele pequeno espaço.
“Quando foi a última vez que você se confessou, meu filho?” O padre perguntou através da tela de madeira.
“Na última vez que me confessei eu tinha cinco anos, portanto faz trinta e cinco anos.”
“Bem... Comece do início!” O sacerdote suspirou.
“Eu cresci nessa cidade em um bairro pobre. Meu pai me odiou desde o dia em que eu nasci e minha mãe morreu momentos após o parto. O velho me culpou a vida inteira por eu ter sido a causa da morte da mulher que ele amava e era dono de um açougue chamado Carnificina. O mais perto que já cheguei de ter um amigo era um criado seu chamado Charles. Eu assistia Charles trabalhando por horas todos os dias e ajudava-o a abater os porcos e a abri-los. Eu me divertia muito com ele e às vezes cheguei a sentir-me feliz em sua companhia. Ele tinha vinte anos e eu sete quando ladrões de treze anos me obrigaram a comer merda. Charles venceu o líder da gangue em uma briga de facas para me proteger de mais perseguições, mas o grupo se vingou. Eles mataram meu companheiro, o jogaram dentro de um saco de lixo cheio de merda e deram para os porcos comerem enquanto eu presenciava toda a atrocidade. Após a morte de seu criado, cuja culpa foi minha, o meu pai autoritário alterou-se para um psicopata. Suas agressões contra mim intensificaram. Passou a me surrar todos os dias com todos os tipos diferentes de facas que um açougueiro possui. Inclusive me trancar por dias em um armário cheio de restos não aproveitáveis de porcos foi uma de suas crueldades. Fui obrigado pela fome a me alimentar daquelas carcaças repugnantes. Quando completei dezoito anos eu matei o filho-da-puta no seu próprio açougue com suas mesmas ferramentas que ele usara tantas vezes contra mim.”
“Seus pecados são atrozes, mas Deus...” O sacerdote tentou falar.
“Não me interrompa, padre! Eu não terminei ainda.”
O padre suspirou. O filho do açougueiro continuou sua narrativa:
“Aos meus vinte anos, apaixonei-me por uma linda prostituta. Seu nome era Mary Ann. Todo o dinheiro que eu roubava, eu usava para comprar uma parcela de seu amor. E que mulher! Ela faria um padre defecar no chapéu do papa em troca de alguns minutos de prazer HEHEHEHE...(risadas sacanas) Mulher alta, graciosa, esbelta, com um par de pernas, seios e bunda magníficos! Depois de algum tempo ela começou a demonstrar afeto por mim e às vezes em que eu não tinha dinheiro ela não me cobrava pelo seu corpo. Eu quis tirar ela da vida de burlescos e estou certo de que a amava, portanto pedi sua mão em casamento na minha pequena cabana. Ela recusou todas as minhas investidas. Então eu senti o demônio da perversidade possuindo a minha alma pela segunda vez. Eu matei a Mary Ann, esquartejei-a e joguei o seu coração na fornalha. Me senti muito bem e desde então não expulsei mais o diabo sobre o meu controle. Continuei a praticar o esquartejamento em outras meretrizes. Charles me ensinara muito bem seu ofício. Ainda hoje a natureza de meus crimes é um mistério. E o meu trabalho precisamente cirúrgico foi mundialmente reconhecido e temido. Crianças tem pesadelos com meus crimes, outros aspirantes à fama tentam me imitar, os melhores detetives da Europa são atormentados com frustrações e fracassos em suas investigações e os jornais me chamam de Jack The Ripper! Os meus crimes foram todos perfeitos. Nunca me descobririam. Durante longos anos habituei-me ao deleite da certeza de minha segurança. Mas gradativamente o meu prazer se tornou uma idéia perseguidora que me atormentou por noites sem dormir. Era um pensamento obsessivo em minha mente que me enchia de temores. Seguidas vezes me flagrei dizendo em voz alta “Não vão me descobrir!”
Outro dia em que murmurei as mesmas palavras, uma voz que eu já ouvira antes (a voz do demônio) sussurrou em meu ouvido “Desde que você não faça a burrice de se confessar” No momento que ouvi tais palavras o pânico possuiu o meu coração. Comecei a correr mordendo a minha língua sem saber para aonde estava indo. Antes que eu percebesse eu estava numa delegacia confessando todos os meus pecados. Mas o que mais me atormentou foi o fato de que riram de mim. Jack The Ripper é uma lenda e muitos malucos querem que acreditem ou realmente acreditam serem tal entidade. Parecia que eu estava dizendo que era o Napoleão Bonaparte! Padre, você tem que me ajudar!”
“SEU MALDITO!!!! EU O CONDENO AO INFERNO!” O vigário respondeu possuído por uma ira divina.
“Obrigado! Eu sabia que o senhor entenderia.”

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A Ratoeira por Pedro Medeiros


A chuva grossa junto com uma forte rajada de vento da madruga de uma quente quarta-feira de janeiro derrubara um pinheiro encima de um poste arrebentando cabos de eletricidade deixando o centro em quase completa escuridão e eletrocutando um morador de rua viciado em crack do tipo que fica gritando sobre o apocalipse segurando uma bíblia numa mão, um canivete na outra e um cachimbo no rabo. Ouvi-lo morrendo da janela do meu pequeno apartamento sem iluminação num prédio velho e descascado do centro. O seu grito visceral embrulhou meu estomago de forma que tive que sorver um copo de uísque para me sentir reconfortado. Desde o incidente no laboratório de drogas em que o meu parceiro Valcaregi virou um presunto junto com todos os fabricantes de heroína num prédio em chamas, aonde perdi a metade da minha cara por causa de um cuzão atrofiado com um frasco de ácido, fui afastado da policia e tenho me sustentado como um detetive particular, um caçador de recompensas e um alcoólatra de primeira categoria. Eu tinha a recém terminado de lubrificar minha espingarda calibre 12 que guardo embaixo da cama, quando as luzes do bairro apagaram. O telefone tocou embaixo de uma pilha de contas atrasadas e ameaças de despejos. Os negócios não andavam bem. Havia meses que não aparecia trabalho, nem sequer um fujão da condicional. O telefone tocou mais duas vezes, e sorvei mais três goles generosos da minha garrafa de água que passarinho não bebe.
“Alô!” Atendi.
“Sony Boy?” Uma voz sussurrada, trêmula e feminina do outro lado da linha me perguntou.
“O próprio! O que você quer?”
“O mesmo que você: ajuda! Preciso de um amigo, estou desesperada e você é o meu último recurso.”
“Isso me parece mais um trote, garota! Quem está falando?”
“Peruca Dourada. Lembra de mim, docinho?”
***
Peruca Dourada é uma mulher de costas quente e com uma vida cheia de problemas. Eu a conheci quando ainda era um novato na polícia e trabalhava como assistente do detetive Melou, que me ensinou tudo o que eu precisava saber para ser um bom investigador. Foi em um bar de jazz. Ela estava sendo presa por dois policiais, histérica e com os cabelos coberto de miolos. Ela foi julgada por usar uma cadeira para esmagar a cabeça de uma negra que cantava desafinadamente ao seu lado durante o show do estabelecimento. Peruca Dourada foi inocentada após testemunhas comprovarem o fato de que a negra realmente não sabia cantar. Isso foi há sete anos. O resto é história.
***
“Sim. Eu me lembro de você. Em que posso ajudá-la?”
“Não posso falar agora.”
“Gostaria de marcar uma consulta?”
“Não seja um babaca! Vá ao Bar do Russo.”
“Vá amanhã ao meu escritório para conversamos. Não aceito nenhum serviço antes de saber no que estou me metendo.”
“Isso não será possível. Sou seguida quase toda à hora e não posso me arriscar a ir muito longe. Encontre-me e ouça a minha proposta. Se você recusar te dou dinheiro para gasolina. O que você tem a perder? Não seja um covarde!” Ela disse antes de desligar na minha cara.

Um ex-policial visitar o Bar do Russo é tão perigoso como brincar de roleta russa. Carregue um revólver com apenas uma bala, gire o tambor, mire o cano na própria cabeça e aperte o gatilho. Talvez na primeira tentativa seja uma câmera vazia, e você escute um click metálico, mas a sorte é temporária, e cedo ou tarde aquela bala solitária entrará no seu cérebro. Olhei a bagunça do meu apartamento, as pilhas de contas e decidi que não tinha nada a perder mesmo. Vesti um sobretudo preto, guardei o meu fiel 38 carregado no bolso, calcei um par de sapatos, mamei um pouco na garrafa de whisky, botei meu chapéu velho, saí do prédio, entrei no meu Ford cinza e barulhento para dirigir rumo a uma dama em apuros.

O trânsito estava caótico; e a chuva, grossa. Estacionei a uma quadra de distância, e cheguei ao bar encharcado. Era meia-noite, e a luz ainda não havia voltado naquela região. Dentro do bar, velas no centro de cada mesa iluminavam o estabelecimento. Passei por um russo grande no balcão e por um grupo de jogadores de dados em uma mesa. As apostas eram altas, e os jogadores, desesperados. Passei por mais um grupo de bêbados e cheguei numa mesa de dois lugares em que uma mulher que aparentava ter quase trinta roia as unhas e cutucava o chão com o salto como um metrônomo marcando um ritmo de be bop.
“Credo! Você está horrível!" Ela exclamou ao ver as cicatrizes de queimadura de ácido que cobre toda a metade esquerda de meu rosto.
“Eu sei.” Eu disse.
"O que aconteceu com a tua cara?"
"Perdi num churrasco com os amigos."
"Entendo. Sente-se!" Ela empurrou a cadeira com o sapato, e eu sentei virado de frente para aquela mulher.
"Você veio armado?"
"Claro. Você veio sem calcinha?"
“Essa foi uma piada suja, meu amigo.”
“Peço desculpas. Não tenho andado em boas companhias. Acabo adquirindo maus hábitos. São ossos do oficio. Não quis estragar nosso encontro à luz de velas.”
Ela não achou graça e brincou com os pingos de cera derretida. Eu esperei a sua história. Ficamos em silêncio por dois minutos.
“Eu preciso sair da cidade. Não sei quando ou onde sou seguida pelos homens do Carne Viva. Ele é um animal perigoso, gordo e escroto... e eu sou casada com ele. Você já deve ter lido o nome Carne Viva nos jornais.”
“Sim. Eu acompanho o caderno policial.” Eu disse.
“Então você sabe que a recompensa por ele está em mil e quinhentos. Eu tenho informações o suficiente para pegarem ele e estou disposta a vendê-las por apenas quinhentas pratas. É uma pechinha e é pegar ou largar.”
“Conte a sua história. Se você me convencer o trato está feito.”
“Depois que minha mãe morreu e meu pai se matou quando eu tinha dezesseis anos, conheci Carne Viva botando a mão em seu bolso para roubar a sua carteira enquanto ele passava por mim na rua. Bem... Faltou-me destreza. Carne Viva agarrou meus braços e ao invés de me matar, me alimentou. Casei com ele quando fiz dezoito e fui fiel por oito anos. Não preciso te dizer o inferno que passei casada com aquele monstro. Apaixonei-me por um homem da minha idade que pediu para largar meu marido e casar com ele. Uma noite em que transava com Carne Viva, chamei o nome de meu amante. Fui espancada e trancada num armário por três dias. Uma semana depois soube que haviam matado o homem que eu amo. Isso foi há um ano e desde então decidi fugir.”
Ela suspirou cansada e acendeu um cigarro. Eu tomei um gole de uísque do meu cantil que guardo sempre no bolso do meu casaco.
“Desde que o Carne Viva matou aquele policial no bairro chinês há um mês, ele está escondido na rua 33 casa 52 no meio de uma plantação de melancias na estrada 12.” Ela disse.
Eu mal comecei a duvidar da sua história quando todas as velas do bar foram assopradas, deixando tudo em nossa volta escondido na escuridão. O flash de um raio iluminou uma turma com porretes se aproximando de nós. Antecipei uma cadeira voando em minha direção. Agarrei a cadeira no ar e a joguei de volta para as sombras. De repente a luz voltou milagrosamente no instante em que um russo gordo voava em minha direção. Eu me virei de lado, segurei a sua cabeça e bati com a sua cara no meio da mesa. O nariz do russo ficou pendurado por um pedaço de cartilagem. Acertei com a coronha do revólver na sua nuca, e ele desmaiou. Apontei para os outros quatro marginais que estavam cada vez mais pertos. Eles pararam. Da curta distância em que eles estavam de mim, eu poderia acertar dois se tivesse sorte, mas os outros dois seria uma briga muito difícil. Eles avançaram três passos.
“Pra trás filhas da puta!” Eu falei parecendo o mais durão que pude.
Eles ficaram assustados e recuaram. Quando eu já estava me sentindo o maioral vi a Peruca Dourada se postando ao meu lado com uma pequena pistola semi-automática cromada brilhando na sua mão.
“Pro chão, cachorrada!” Ela gritou. Todos obedeceram.
Saímos do bar chutando cabeças até todos dormirem.
“Eu vou escolher acreditar em você. Mas se eu souber que tu ta de sacanagem comigo, eu te caço, baby.”
Fomos no meu Ford até o meu escritório. Dei a ela 600 pratas que era todo o dinheiro que me restava. Ela me beijou ardentemente e foi embora. A Peruca Dourada falara a verdade. Carne Viva foi preso. Eu recebi a recompensa. Paguei minhas contas e gastei o resto com bebidas e em mulheres sem coração. Eu e Peruca Dourada nunca mais nos vimos. Ainda ouço o barulho de seu salto batendo na calçada.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Sangue Amaldiçoado - por Pedro Medeiros


O mundo é dos sacanas. O diabo sabe quantos socos dei em ponta de faca para descer tão baixo. Não peço para acreditarem na minha história, pois tal pretensão seria uma prova incontestável de demência. Não acreditem! Pouco me importo! Tenho minha consciência limpa e a maior convicção do meu perfeito juízo. Malditos aqueles que me julgaram louco! Sou um infeliz amaldiçoado.
Fui criado por uma família circense no mais nobre e rico circo europeu. Meu pai, um domador de leões irlandês e minha mãe, uma malabarista suíça, se amaram entre cordas bambas e jaulas com arcos em chamas. O casamento foi realizado durante uma apresentação. Minha mãe já estava me carregando no ventre há cinqüenta dias. A cerimônia era de grande expectativas para toda Londres- condes, almofadinhas e a imprensa lotava a nossa grande tenda -, mas Deus não nos deixa esquecer de seu cruel senso de humor. No truque do homem bomba, um anão de um metro e vinte vestido de palhaço é arremessado cinqüenta metros para pousar em uma grande rede de proteção. Mas naquela noite, a quantidade de pólvora foi colocada cinco vezes a mais do que o necessário por motivo desconhecido. O canhão vomitou tripas e vísceras em cada canto da tenda de quatrocentos metros quadrados, até na platéia.
As especulações dos jornais foram monumentais. Houveram investigações pela policia inglesa. Acontece que o anão envolveu-se até o pescoço com agiotas. Suspeitas não faltaram; mas evidencias, sim. Um ladrão qualquer que quase ninguém conhecia foi enforcado para satisfazer o senso de justiça da cidade.
Eu nasci com a família já arruinada em 1880. Um irlandês fracassado e alcoólatra, como pai; e uma mãe que ficou catatônica devido ao trauma que foi o escândalo do banho de suco de carne e ossos que arrasou com sua vida. Os animais do circo, que antes eram duas panteras negras, três onças pintadas, quatro leoas, cinco leões e um elefante indiano, foram substituídos por um grupo de poodles e porcos adestrados. Os anões partiram e formaram uma gangue de ladrões e assassinos. Os novos números do picadeiro se resumiam em um show de esquisitices com o homem elefante, a mulher barbada, o homem mais forte do mundo e a mulher mais gorda do mundo. Mas um pingo de dignidade ainda existia em nossa reduzida tenda. Thierry, irmão de minha mãe, era um ilusionista de técnica sofisticada e performance ousada. Enquanto meu pai descansava inconsciente no chiqueiro e minha mãe vivia nas profundezas de sua mente doente, Thierry me educou, além de me ensinar todos os raros truques de mágica que conhecia, inclusive os que inventara.
Após a morte de meu pai em 1896, vendemos o homem elefante para um anatomista, cujo nome não me recordo. O dinheiro foi o suficiente para internamos minha mãe em uma instituição decente. Thierry passou sua vida cuidando dela; eu troquei de nome, fugi para França e esqueci o meu passado. Vivi em um bairro boêmio de Paris chamado Montmartre, em uma pensão ao lado de um cabaré chamado Chat Noir, onde dançarinas dançam o cancan mais provocante que já admirei. Me sustentei com esmolas que ganhava fazendo truques de mágica nas praças do centro. Com duas caixas roxas de um metro e oitenta de altura e meio metro de largura, eu entrava em uma e saía da outra; também fazia transformações simples, como: transformar um baralho em um coelho, um coelho em fogo e o fogo em flores.
Em um ano, eu chamei a atenção de um caçador de talentos chamado Cassidy que resolveu investir em meu potencial. Ele me pagou aulas diárias com os melhores tipos diferentes de mágicos e mais um modesto salário para eu não fazer nada além de praticar. Eu treinava seis horas por dia até não conseguir mexer mais as mãos. Apesar de eu ter apenas dezessete anos e Cassidy apostar em meu futuro, eu tinha medo de falhar e todo aquele trabalho e dinheiro terem sido inúteis, até porque essa é uma área do entretenimento muito competitiva e incerta. Muitos bons ilusionistas nunca ganharam um ovo. Eu não queria ser um deles.
Depois de três anos, Cassidy contratou Adoriabelle, a francesa mais linda que já vi na vida, como minha ajudante e marcou minha primeira apresentação em um grande teatro. O público e os críticos ficaram estupefatos com o show e também com a minha assistente alta, magra, charmosa e capaz de fazer qualquer homem ficar de quatro e latir feito um poodle. O sucesso de nossa primeira noite nos garantiu datas em todos os teatros da cidade por um ano.
Foi durante um ensaio em um teatro vazio à noite enquanto estávamos sentados nos lugares da platéia que Adoriabelle me falou sorrindo e com a mão esquerda em meu joelho direito:
“Sim. Eu sei que não precisamos ensaiar mais do que já fizemos. E você deve ter achado estranho eu ter te pedido para vir a essa hora. Mas é que para mim, essa é uma ótima maneira de passar o tempo. Eu me divirto tanto com esses truques. E essa chuva me deixa triste e faz me sentir sozinha.”
Fiquei perplexo quando aquela adorável e bela mulher me disse que era capaz de se sentir triste e sozinha. Eu sempre fui solitário e, sinceramente, isso nunca me incomodou.
“Não posso mais agüentar te ver levando prostitutas para o seu quarto todas as noites. Acho que isso é ciúmes. Eu preciso saber se você nunca pensou em mim dessa maneira.”
Eu nunca havia pensado nela dessa maneira. Eu sempre a vi como uma predadora e não uma presa. Apesar de eu ser um pouco mais alto que ela e não poder ser considerado feio, nunca me interessei por uma relação amorosa, isso me parecia muito complicado e desnecessário. Já vi muitos grandes homens que enlouqueceram, se humilharam e afundaram nos vícios por causa de mulheres. Uma vez Cassidy me disse que uma menina de quinze anos pode acabar com qualquer homem de trinta. Por isso pagar profissionais em troca de prazer sempre me pareceu mais sadio do que esse vírus que chamam de amor. Nós transamos ali no teatro e nos casamos um ano depois.
A vida de casado foi tranqüila por um bom tempo. Compramos uma casa boa e longe dos cabarés, mas não muito longe das tavernas para o bem de minha saúde. O dia mais feliz da minha vida foi em que o meu filho, Jacques, nasceu. Criança saudável, curiosa, brincalhona e inteligente. Quando eu e Adoriabelle não estávamos brigando por asneiras, estávamos brincando com o recém-nascido.
Me lembro de uma das nossas mais trágicas brigas na nossa vida matrimonial. Depois de uma noite de bebedeira com um pintor desconhecido e delirante chamado de Van Gogh, eu comprei um de seus quadros extraordinários por uma mixaria. A pintura era uma família pobre comendo batatas em um barraco escuro. A minha mulher se assustava com aquele quadro, pois acreditava que a senhora da pintura que servia o chá olhava para ela sempre que entrava no meu escritório, “então não entre!” eu respondi cessando a discussão. Depois de alguns dias em que o assunto foi esquecido, ela voltou a reclamar do quadro. Ela não discutia comigo sobre o assunto, mas falava sozinha e em bom tom para eu ouvir as suas criticas artísticas todos os dias. Depois de ela me pedir mais algumas vezes para me livrar daquele quadro horroroso, ela passou a exigir e gritar:
“Eu juro que eu vou perder a cabeça se essa coisa continuar nessa casa!”
Como eu não gostei de sua atitude, me recusei a obedecer. Então ela começou a ter pesadelos e insônia. Adoriabelle me convenceu de que a pintura era a culpada de criar tanto terror em seu sono. Prometi contrariado em me livrar do quadro na noite seguinte, pois tínhamos um show para preparar antes das dez da noite em Londres.
Eu não tive nenhum tipo de familiaridade ou recordação quando retornei àquela capital em que havia crescido. Eu e minha esposa fomos ao teatro preparar nosso equipamento. Adoriabelle estava sendo querida e carinhosa comigo desde o inicio da viagem.
Aquela era a nossa primeira noite na Inglaterra. O público lotou aquele prestigioso teatro. No cartaz do show estava o meu retrato com dois diabinhos desenhados sentados em meus ombros sussurrando em meus ouvidos. Eu fui magnífico. Em todos os momentos, as pessoas ficaram espantadas, principalmente no truque final em que o pior aconteceu.
A última mágica era com uma guilhotina em que eu faria Adoriabelle desaparecer antes de ter a sua cabeça cortada. Malditamente três dispositivos de segurança falharam. Sua cabeça tombou no chão de madeira do palco com um ruído horrendo e rolou até o colo de uma senhora que na hora morreu de um ataque cardíaco. Dezenas de pessoas vomitaram.
Após a decapitação, não lembro de nada. Testemunhas afirmam que eu tive ataque de risos enquanto dizia repetidamente “O quadro fica aonde está!” A policia achou as três molas de segurança da guilhotina em meus bolsos. Amanhã serei enforcado. Hoje eu rezo para que meu filho não seja outra vitima da maldição de meus pais.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Morto de Sorte - por Pedro Medeiros



Pelas ruas do bairro Sargenópolis da cidade Baixa caminhava um homem negro solitário de chapéu preto com a aba aterrada na cara, a gola de seu casaco preto estava levantada até seu queixo, as bainhas de sua calça preta estavam rasgadas e seus sapatos pretos eram novos e pertenciam a um morto. O 38 carregado coçava em seu cóccix. Estava chovendo, ventando e era noite de natal. As calçadas estavam infestadas de mendigos, crianças aleijadas, travestis, lixo e macumba.
O homem negro dobrou à direita em uma rua sem saída. O beco tinha cinco metros de extensão concluídos por um muro de tijolos manchados com sangue seco e cinco metros de largura separando um motel à direita e uma pensão de mexicanos à esquerda. Entre as latas e sacos de lixo da pensão ilegal havia uma porta de ferro enferrujado e um gato preto deliciando um rato cinza.
O homem sorriu. Era tudo que precisava: mais alguns anos de azar. Pisou na cabeça do gato, esmagando seu crânio no chão de cimento e bateu sete vezes na porta. Uma pequena janela de correr abriu mostrando um par cínico de olhos apertados.
- Quem é você? E o que quer? – Perguntou o par de olhos apertados.
- Sou o Coveiro. Vim lavar a minha roupa suja – Respondeu ainda com o mesmo sorriso ao executar o gato vira-lata.
A janela fechou e a porta de ferro abriu.
O Coveiro negro, encardido e sujo entrou na sala deixando pegadas vermelhas com miolos de gato no piso de quadrados brancos com pretos. Não havia janela. A única iluminação vinha de uma lâmpada de cem watts, do outro lado da sala havia uma porta de madeira, um sofá mofado na parede oeste e uma mesa de pôquer no centro. O homem que abrira a porta era alto e magro.
- Merda! Perdi todas as minhas fichas! – Disse ele sentando no sofá abrindo um jornal.
Ainda com o mesmo sorriso cretino Coveiro permaneceu em pé ao lado da mesa aonde dois homens jogavam cartas e percebeu que as fichas eram buchas de cocaína.
- Olá, Carraspana! – Coveiro disse ainda com o mesmo sorriso.
- Coveiro, meu querido! Ainda bem que o senhor veio! Acho que você e o Loiro já se conhecem. – Disse ele apontando para o homem magro no sofá com o canto dos olhos.
Mesmo sentado, Carraspana era um homem muito grande e muito forte, parecia estar de bom humor mesmo perdendo para um baixinho, magrinho, tipo nervoso. Pois é... Seu pequeno adversário estava com quase todas as fichas do jogo e estava mesmo muito nervoso ou até mesmo com muito medo, ele tremia e suava enquanto embaralhava as cartas para uma nova rodada. O jogo estava no final.
- Claro. Assaltamos a mesma loja de bebidas por engano. Enquanto trocava-mos alguns socos, os funcionários sacaram revolveres e espingardas. Juntos acabamos com cinco judeus. Loiro é impressionante com sua bereta. Acerta uma moeda de olhos fechados!
Loiro riu e disse ainda lendo seu jornal:
- E você tem um soco e tanto. Meu queixo ficou durinho como cu de freira.
- Eu estava usando um soco inglês. – Coveiro gargalhou. – Você sabe... São ossos do ofício.
- Claro. Depois enchemos a cara de whisky irlandês, fizemos mais alguns assaltos e matamos uns japas.
- Que bom! Então somos todos amigos aqui! – Carraspana concluiu. – E esse rapaz que está me dando uma surra nas cartas é o Baixinho. Ele vem da Interionópis de uma família colona. Quando ele estava na cidade morrendo de fome na ruela do esgoto, eu dei a ele lugar no nosso pequeno bando. Tive que ensiná-lo a fazer tudo. Fora fazer canha caseira e plantar batata, ele não sabia nem atirar com um estilingue.
- Eae. – Coveiro murmurou para o Baixinho que não respondeu.
- O problema dele é não estar acostumado com a nossa situação atual. Sabe, é muita pressão. Estamos escondidos nesse buraco há alguns meses, e esse guri é muito novo para agüentar o confinamento e eu tenho medo que ele estrague nosso trabalho de amanhã por causa de sua incapacidade em lidar com nossas condições. Acho que você fará o assalto no lugar dele, Coveiro, para o Baixinho não estragar com tudo. Há algumas horas esse maluco estava para nos abandonar com minha irmã. – Carraspana explicou.
- Não foi nada disso chefe. – Começou o Baixinho. – Nós íamos nos casar. Eu a amo, só isso. Meu irmão é pastor e faria o casamento. Seria muito discreto.
- Discreto? Vinte e cindo mil pratas é dinheiro demais para uma cerimônia discreta. Não acha? – Carraspana questionou apontando para uma maleta aberta no chão cheia de dinheiro.
- Os vinte e cinco mil são para o meu irmão. Sua igreja foi incendiada com o resto de nossa família miserável por um grupo de satânicos radicais da cidade.
- Deveriam enforcar esses anticristos malditos! Imaginem só: não passam de umas crianças que não sabem se chapar por falta de laço de seus malditos pais gigolôs e mães prostitutas! – Loiro comentou lendo seu jornal sentado no sofá com as pernas cruzadas como uma mulher.
- Entendo. – Assentiu Carraspana. – E as outras malas são para passar a lua de mel em Las Vegas?
- Por favor, chefe! Camila está grávida e nós nos amamos!
- Claro que sim. E vocês querem fugir.
- Não, chefe. Claro que não. Você não está entendo. – Baixinho disse distribuindo as cartas.
Esse comentário irritou Carraspana que acendeu um cigarro e o tragou com a expressão franzida de forma impaciente.
- Entenda você! – Carraspana ordenou olhando para as cartas em suas mãos. Não havia jogo nenhum e certamente perderia de novo. – A policia está na nossa cola. Não podemos sair do esconderijo. Eu dou graças a Deus por estar sentado em uma mesa de pôquer cheia de pó com meus amigos invés de uma cadeira elétrica em um chiqueiro nojento cheio de porcos nojentos fazendo churrasco com minha carne nojenta. Você é um ingrato! – Carraspana comprou mais uma carta, isso não melhorou seu jogo e o deixou mais irritado. – E se um moleque do Eddie Mata o pegasse? Faz idéia do que fariam com você?
- Me matar? – Baixinho debochou.
- Não antes de fazê-lo cantar e nos matarem também. Compreende? – Perguntou Carraspana com a expressão severa.
- Não estamos na zona dele. – Baixinho replicou.
- Está brincando ou és idiota, Baixinho? – Perguntou Loiro virando a página do jornal. – Toda essa maldita cidade fedorenta é dele: os traficantes, os guardas, prostitutas e até os mendigos! Talvez você também seja uma de suas cafetinas, assim Eddie Mata o ajudaria com a lua de mel, não?
- Não. Não acredito que vocês pensam uma coisa dessas! – Baixinho ficou nervoso. – Vocês estão muito errados!
- Errado está você em nos dar motivos para pensar, Baixinho! – Carraspana trocou duas cartas, ainda sem jogo apostou mais algumas fichas. – Nossa posição de respirar nessa cidade está muito delicada. E você arrisca demais. Só podem existir duas razões: Você é muito burro ou um rato do Eddie Mata.
- Eu sou burro, chefe. Mas não sou nenhum rato!
- Você é um ingrato!
- Não, chefe. Eu sou muito grato a você. Você é meu senhor, e eu amo a sua irmã.
- Você perdeu a fé, meu irmão – Lamentou Carraspana triste. – e partiu o meu coração. - Comprou mais três cartas e ainda nada de jogo. – Precisamos de só mais alguns dias para sair desse buraco. E você quase fode com tudo! Não posso confiar mais em você.
Carraspana apostou todas suas fichas. O Baixinho agora estava quieto e batendo seus dentes, completamente paralisado pelo medo.
- É melhor você cobrir essa aposta! - Carraspana ordenou se babando.
Baixinho pagou para ver e deitou seu par de três de espadas na mesa e quando viu as cartas do Carraspana , ficou apavorado e começou a bater os dentes com mais força.
- Você ganhou. Pode pegar tudo. - Carraspana falou com muito companheirismo e verdadeira boa vontade. – Vamos partir da cidade amanhã!
Quando o Baixinho esticou a mão encima das fichas, Carraspana esticou o braço levantando da cadeira até quase tocar o teto com uma faca de churrasco e com um golpe prendeu a mão do Baixinho à mesa. Baixinho gritou.
- Você me magoou. – Carraspana falou com cansaço enquanto apagava o cigarro no ouvido do Baixinho.
Baixinho começou a chorar. Loiro largou o jornal e se levantou segurando sua bereta. Coveiro continuou em pé parado no mesmo lugar com o mesmo sorriso que usara ao entrar. Carraspana puxou a faca para cima desprendendo-a da mesa. Baixinho gritou novamente e se atirou no chão.
Agora a porta de madeira abriu. Uma mulher pequena, loira, magra e que seria muito bonita se não fosse pela cicatriz de queimadura em todo o pescoço entrou correndo e chorando se atirou encima do condenado e abraçou-o.
- Essa é a minha irmã. Camila, Coveiro; Coveiro, Camila. – Carraspana apresentou-os.
- Calma, chefe! – Baixinho implorava.
- Eu estou calmo. – Afirmou. – Coveiro, mande esse dois infelizes para o inferno!
Coveiro sacou o 38 da bunda e apontou para o sr. e sra. Infelizes.
- Você está louco? O que está fazendo? – Camila gritou confusa.
- Mostrando para vocês o que é uma cerimônia discreta! – Carraspana respondeu. - Agora os declaro marido e mulher – Pronunciou. Depois se dirigindo ao Coveiro. – Pode matar a noiva.
Coveiro atirou na cabeça, ela morreu abraçada ao marido e o rapaz continuou segurando-a.
- E o noivo. – Carraspana acrescentou.
Outro tiro na cabeça, dessa vez foi no Baixinho. Carraspana retirou seu cigarro do ouvido do morto, desamassou, acendeu, tragou e disse:
- Eu sempre choro em casamentos.

Casas Junkies - por Pedro Medeiros




Há uma nova heroína na Petrópolis. As casas junkies lotadas de viciados, bacanas, mofo e confusão. As casas junkies ocupam a rua n 45, a rua das putas, cafetões e becos. Território muito disputado no submundo, com grandes quantias de investimentos nos laboratórios de drogas. A nova droga, chamada Cool Dreams, causara ordem e progresso para as atividades econômicas ilegais da pequena comunidade independente. Nada chique. Apenas a mesma velha heroína com um monte de outros venenos.

E eu estou no meio de toda essa sujeira com a merda até o pescoço. É uma noite fria. Parei na lanchonete da garçonete gostosa. Bebi meia jarra de café com conhaque e fumei a metade de uma carteira de cigarros. Não tive um bom dia.

***

Valcaregi e eu estávamos em uma pista quente dada por um viciado das casas junkies após um interrogatório não oficial, digo, sem aquela burocracia toda. Quando o encontramos ele estava arrombando um carrão, o desgraçado correu feito um campeão olímpico com incontinência urinaria. Valcaregi mirou, atirou, o vagabundo caiu e se pôs a gritar como uma garotinha.

“vocês atiraram em mim!”

“não seja infantil.” Eu disse.

“Vamos! Levanta, Vico! ” Valcaregi mandou.

“Vocês atiraram em mim! ” Vico falou como uma criança chorona. E as pessoas aglomeraram-se numa platéia de curiosos. Valcaregi ergueu-o segurando as suas axilas e eu o algemei. Vico ficou de pé sozinho, percebeu que não estava ferido e que sua bota perdeu um salto, começou a resmungar. Caminhamos até o meu Ford cinza a uma quadra atrás.

“Hey, caras! Qual é que é, chefe? ” Vico começou. “ Eu não fiz nada! Vocês estão enganados! Eu sou inocente! Isso é uma injustiça! A maior de todas! Hey Sony, amigo, pará esse carro! Não posso voltar pra cadeia! ”

Eu parei o carro.

“Sony, homem de Deus! Iluminado pela Sua luz! Abençoado sejas! ” Vico louvou-me.

Meti a mão no seu bolso, tirei um monte de saquinhos. Bingo!

“Cool Dreams, hein?! ” Disse com completa satisfação.

“Veja só! Não vamos para a delegacia. Vamos dar uma volta, e você vai nos dizer aonde você conseguiu isso. ” Disse o Valgaregi.

“Ah não! De jeito nenhum! Eu tenho direito a um julgamento justo! Me levem pra delegacia! ” Vico recomeçou o choro.

Desviei o caminho para a floresta. Vico entrou em pânico e começou a gritar.

“Eu quero ir pra cadeia, por favor! Eu quero ser preso! Não ouviu?! Você não entende português?! Não! Pelo amor de Cristo! Deus! Maria!”

Parei o carro.

“Fala, safado! Essa é a tua chance. E é uma ótima chance! Você não quer ir pra cadeia. Eu sei que não. Com essa quantidade de posse você pegaria no mínimo cinco anos e morreria no primeiro mês. Há muitos safados como você presos por tua causa. Acredite, não te quero preso nem morto, pelo menos ainda não. Cansei de fuder com chinelões como você. Ah, não! Eu subi de nível, meu caro! Sou um homem ambicioso e quero os peixões. Para limpar uma cidade precisa começar por cima usando os de baixo, o dia em que eu não precisar de você, pode morrer da forma que preferir!”

“Você é mesmo um canalha, Sony!”

“O maior!”

“Não sei porra nenhuma!”

“Quer brincar comigo, seu merdinha? Hein? Muito bem! Vamos brincar!” Valcaregi saiu do carro arrastando Vico pelos cabelos.

“Abra a boca! ” Eu disse enfim sacando o meu fiel 38 e retirando cinco balas de seis. Mostrei para Vico antes de fechar e girar o tambor.

“Vamos nessa! Vamos jogar! Tenho que confessar, Vico, sou viciado em jogos de azar. Esse se chama Roleta Russa. Se você estiver com sorte terá cinco chances pra falar o que eu quero ouvir.”

Vico mordeu os beiços como um bebê que recusa papa. Minha paciência estava se esgotando e quebrei seus dentes da frente metendo o cano do revolver até a sua garganta.

“Ele não vai conseguir falar com uma arma na goela.” Valcaregi me informou.

“Sim. Claro! Que constrangedor!” Tirei a arma de sua boca a pressionei contra sua testa.

“Agora seja bom menino. E fale aonde conseguiu a droga. Eu sei que você estava vendendo. Diga-me aonde conseguiu. E se você mentir, te mato!”

“Não faria!”

Dois clicks. Vico tremeu e babou como se tivesse convulsões.

Mais um click.

“Eu falo! Eu falo!” Vico gritava em meio de convulsões. “ Lúcifer Sam é o fornecedor! Ele mora no beco 37, número 60. E tem contato direto com os laboratórios. É só isso que sei. Eu juro!”

“Muito bem, garoto! Pode ir embora. Toma, leve teus dentes contigo!”

Meu parceiro e eu fomos para o tal beco. Subimos encima do teto do Ford e alcançamos as escadas de incêndio. Os degraus escorregadios devido à nevoa foram difíceis de escalar, após o primeiro patamar fica fácil graças aos degraus mais largos num ângulo de menos de 90 graus e um corrimão. No segundo andar havia uma gostosa com o corpo de um milhão de dólares e cara de mil, pele branca, ruiva, olhos grandes, pequena, Um metro e sessenta de altura e uns cinqüenta quilos, frágil, ossuda e de topless olhando para nós pela janela com uma expressão convidativa ao som de Miles Davis no rádio. Sempre gostei de mulheres ossudas. Nós entramos.

“Procurando diversão, cowboys?”

“Procuramos Lúcifer Sam.”

A garota lançou um sorriso sarcástico e vestiu uma blusa.

“Vocês vão matá-lo?”

“Vamos apenas conversar.”

A garota pareceu decepcionada.

“Ele mora no quarto andar.”

“Vocês se conhecem?”- Valcaregi perguntou.

“Sim. Ele é meu agente.”

“Ótimo! Ele abrirá a porta pra você.”- Concluí.

A escada daquela pensão fazia o barulho de madeira podre e baratas acasalando. O tosco papel de parede verde-cocô estava rasgado em vários lugares expondo assim os tijolos. O teto mostrava condições de desabar a qualquer segundo. Aquele andar possui oito apartamentos, todos lotados de bugres mortos de fome. A garota bateu três vezes na porta no final do corredor.

“Quem é?! ”- Alguém do outro lado perguntou.

“Sonia! ”- A garota gritou.

Barulhos de seis trancas sendo destravadas. E um negro nem magro, nem gordo de um metro e oitenta com um casaco longo de coro preto, óculos escuros Ray Ban com o aro dourado e um chapéu escuro comum dos anos 40. Com todo o ouro carregado no pescoço, nos dedos e nos dentes daria para financiar uma revolução. Mais um chinelão esnobe e arrogante. Um pilantra de 1,99.

“Eae, vadia! Ta com a grana? ”

“É ele? ”- Valcaregi perguntou.

“É. ”- Sonia respondeu antes de Lucifer Sam sacar uma Glock e disparar cinco tiros na direção do meu parceiro que desviou para dentro do apartamento. Sonia levou os cinco tiros na cara e se estatelou no chão como um saco de batatas desfigurado. Eu quebrei uns dentes do cafetão com uma coronhada que antes mesmo de guspir todo o sangue levou outra do 38 do meu parceiro na nuca e desmaiou de cara no chão.

Quando alguns índios apareceram no corredor, bastou mostrar nossos distintivos para assustá-los o suficiente para voltarem aos seus quartos. Revistando o pequeno cubículo encontramos umas poucas gramas de heroína, crack, maconha, cocaína, antidepressivos, estimulantes, uma 12, vinte mil pratas e uma agenda preta com endereços, telefones e uma lista das farmácias da cidade. Ligamos para a central. Mandaram uma viatura com o delegado Santos e uma ambulância com um legista e um fotógrafo. Quando perguntaram o que fazíamos naquela arapuca, respondemos que a prostituta com medo do cafetão ligou para a delegacia pedindo socorro. Nosso velho amigo, delegado Santos, confirmou a nossa história pra boi dormir. Lúcifer Sam já havia sido aprendido uma dúzia de vezes por assaltos a farmácias, tráfico e prostituição. E agora podia pegar cadeira elétrica por assassinato.

Na sala de interrogatórios demos um banquinho pro Lúcifer Sam sentar em frente à mesa iluminada com uma lâmpada muito quente que quase cegava o assassino. Eu estava sentado em uma cadeira na sua frente, e o Valcaregi de pé e braços cruzados no canto escuro da sala.

“Eu quero um advogado! ”- O assassino rosnou.

“Claro! Não há problema nenhum nisso! Pode ser providenciado. Não é mesmo Valca?”

Valcaregi pigarreou e não disse nada.

“Mas antes nos diga aonde fazem Cool Dreams? ”- Acrescentei.

“Por que você acha que eu vou saber isso?! ”- Sam questionou-me com legitimo espanto.

“Esse caso já é velho. Há três anos que nós temos a certeza de que os laboratórios são localizados nesse mesmo bairro. Certa vez pegamos um caminhoneiro por contrabandear equipamentos químicos, mas quando checamos os endereços de entregas os lugares haviam se mudado instantes antes de nós chegarmos. Meu caro, você está numa posição muito delicada e terá que se esforçar bastante para permanecer vivo, o único jeito é cooperar conosco. Você poderá pegar perpétua numa prisão de segurança máxima ou cadeira elétrica. O que você acha?”- Eu respondi.

“Eu quero um advogado!”

Valcaregi avançou e meteu a mão aberta na cara do palhaço. Eu o segurei por debaixo dos braços para ele não cair. Valcaregi algemou seus calcanhares e os pulsos, abriu a porta e me ajudou a pendurar Sam atordoado de cabeça para baixo na porta pelos calcanhares. Pisamos nas algemas das mãos para esticá-lo o máximo possível. Lúcifer Sam tentava gritar, mas não tinha força e parecia se engasgar com a língua. Em cinco minutos ele nos deu um endereço e falou tudo o que sabia o que não era muito. Chamamos um advogado para o infeliz e o deixamos numa cela a espera de seu julgamento.

Saímos às pressas. Chamamos reforços pelo rádio do meu Ford. O dia estava no fim, assim como o meu juízo. O endereço que Lúcifer Sam nos deu - o beco 13, número 666, - era uma casa de dois andares, atrás da maior farmácia da cidade. Estacionei a meia quadra de distância no outro lado da rua.

“Talvez seja melhor esperarmos o reforço.” Valcaregi refletiu.

“Para escaparem mais uma vez? Não quero dar mais tempo a eles. Melhor entrarmos agora antes que um coral de sirenes bote eles pra correr.” Eu respondi.

Saquei o 38 e saí do carro. Valcaregi me acompanhou a quatro passos atrás de mim. A porta estava trancada. Nada de escada de incêndio dessa vez. Chutei a janela da altura do meu pé e entramos num porão mal iluminado com cheiro de gás e um monte de tralhas. Subimos a escada. A porta não estava trancada. A casa por dentro era tão charmosa quanto o lado de fora. Espaçosa com a decoração elegante. A mobília simples e de bom gosto. Armários e mesas de mogno, sofás de couro, chão encerado com tapetes feitos à mão. Passamos um corredor, uma sala, um escritório e outro corredor até chegar a uma escada ao lado da cozinha. Demos uma olhada na cozinha e vimos panelas cheias de meta-anfetamina. Subimos ao segundo andar aonde quatro nerds trabalhavam misturando e fervendo líquidos em centenas de tubos de ensaio com um bacana bem vestido e mais velho gritando.

“Essa merda toda tem que está pronta amanhã, senão boto vocês na rua! Comprei uma bela casa pra vocês. Não me decepcionem! Ouviram-me, bando de ratos de laboratório?!”

O homem parecia ter quarenta anos, um metro e setenta e em boa forma. Vestia um terno caro preto com riscas de giz.

“Acabou a putaria!”- Meu parceiro gritou.

Valcaregi andou para o meio do laboratório com seu 38 apontado para o bacana que se calou com o ódio brilhando no seu olhar, e eu fiquei perto da escada apontando para os nerds.

“Mãos na cabeça e nariz na parede!”- Eu gritei. Os cinco obedeceram antes de um sexto marginal que subiu a escada sem fazer um ruído me lançou um frasco de ácido na cara quase me deixando cego. A dor foi alucinante. E eu gritei como se alguém arrancasse toda a pele do meu rosto com uma colher.

O Valcaregi atirou no lançador de ácido que rolou escada abaixo. O bacana sacou uma pistola e acertou meu parceiro na cabeça. Eu descarreguei o 38 na barriga dele. Para piorar a situação as balas atravessaram-no e furaram uma panela fervendo no fogão. O liquido pegou fogo quase ao mesmo tempo em que vazou pelos buracos de bala queimando os quatro nerds em segundos e o andar inteiro em minutos. Saí da casa com a cara transformada em um hambúrguer. Comprei pomada para queimadura na farmácia. Fui na lanchonete da garçonete gostosa em frente. Injetei-me uma grande quantidade da Cool Dreams para aliviar a dor. Pedi café que enchi com conhaque. E penso no dia de merda que tive. Começo a escutar as sirenes.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Heroínas e Criminosas - por Pedro Medeiros




Um drogado toca o saxofone se contorcendo, suando e babando, seu instrumento berrava melodias de be bop agonizantes como as convulsões de um viciado em crise de abstinência. A cantora era uma loira gostosa bem afinada. Havia dois negros, um gordo no piano e outro brutamonte na bateria. Meus melhores clientes, todos viciados.
O bar estava cheio. As dançarinas terminaram sua apresentação de dança e canções tórridas e agora circulavam em meio à multidão, rindo e conversando. Uma sentou-se à mesa em que eu estava e me perguntou:
- Quer croquete?
Ressaca me encarava de seu bar atrás do balcão com cara de poucos amigos. Claro que ele ficou com o seu orgulho ferido depois do tiroteio em que mandei três de seus melhores subordinados para a cova e quebrei três de seus melhores dentes, também era certo que eu entrar em seu bar foi como um tapa na sua cara. Ele quer se livrar de mim e não vai ser com uma linda dançarina que vai conseguir. Eu não sou idiota!
- Vai embora, menina. Está me atrapalhando. – Falei. Ela me pareceu magoada.

Estava naquela ratoeira àquela noite por causa de uma carta em que uma mulher pedia a minha ajuda, apesar de não haver especificação do tipo de serviço requisitado pela minha mais recente e misteriosa cliente, havia uma quantia de dinheiro mais que o suficiente para eu levar até mesmo dois tiros de boa vontade, eu tenho muitos dotes profissionais. De fato quando alguém recorre a mim é porque está desesperado e quer a policia bem longe. A suposição mais provável era a de uma armadilha, pois muitas pessoas nesse buraco querem a minha caveira e se estão dispostas a pagar bem por ela, quem sou eu para estragar a festa? Estava começando a me entediar.


- Eu estava só brincando. – A dançarina me disse. Ela é mesmo muito bonita, até meiga, me lembrei da primeira namorada que tive na escola. – Tenho um trabalho para você.
- Eu devo ser a babá mais cara da cidade. – Brinquei, e ela riu.
- Talvez lhe interesse um assalto a banco. – Ela disse, fiquei impressionado. – Foi muito corajoso em vir; ou talvez, muito burro. Acha que sai vivo?
- Muito bem, docinho! Qual é a jogada? – perguntei.
- Muito simples. Você é um cara esperto, frio, assassino e maluco o suficiente para o serviço. Saia vivo daqui e o emprego é seu. Boa sorte!
Comecei a rir feito um louco e disse:
- Não há ninguém aqui homem o suficiente para me zerar!
- Há uma pessoa, amigo seu, assim como você é um assassino de aluguel e está interessado em participar do assalto, para isso terá que matá-lo e vice-versa. Entendeu?
- Que merda de brincadeira é essa, guria?
- Não estou brincando. – Ela se levantou.
- Por que acha que não vou matá-la também? – Perguntei segurando o seu braço.
- Por causa do dinheiro, meu bem. É uma festa! Divirta-se! – Ela saiu, comecei a sentir muito tesão.

Terminei a minha cachaça, fui ao banheiro que parecia mais com o esgoto da cidade Merdolândia, sentei na privada menos cagada com o temor de um rato me surpreender pela traseira, apliquei três picadas de heroína no meu antebraço esquerdo, levantei com a cabeça flutuando no teto e o tesão aumentando. Saquei minha Magnum que sempre me traz felizes lembranças do passado quando a vejo, guardei a pistola de volta no bolso do casaco, molhei a cara com o mijo que saía da torneira daquela pia, me olhei no espelho e refleti.
“ Tudo bem. Agora não é momento para nostalgias, tenho que entender bem toda a situação em que me meti... Aquela dançarina é mesmo muito gostosa, qual era mesmo seu nome? ... Droga! Agora, eu me lembro, já vi ela antes em um tiroteio a um ano atrás durante a guerra das ruas das cinco máfias pela conquista de territórios da cidade, ela usa uma metralhadora de assalto, às vezes uma bazuca, e explode seis cabeças em três segundos. Mariana Metralha! Nossa! Essa mulher é uma celebridade! Não é a toa que Ressaca estava nos cuidando por detrás daquele bar bagaceiro, ele deve estar se borrando de medo agora. Hihihi... Bem, tenho certeza de que essa garota não está de brincadeira, conheço bem o seu trabalho, ela já roubou mais de dez bancos nos últimos cinco anos e é procurada sob a pena de morte. À duas semanas atrás, seu antigo parceiro, Johnny Bate Botas, foi encontrado sem as botas e com um tiro no meio da testa em um beco no centro a quinze minutos daqui, quem o matou? A policia? Um traficante? Ressaca? Mariana Metralha? Jesus? Não sei e não me interessa.
“ Um assalto a banco me tiraria da merda em que estou vivendo, e não há ninguém melhor qualificado para bolar tal covardia do que a própria Mariana Metralha, ela realmente atira muito bem. Pareço não ter escolhas, se eu não sair desse banheiro e matar um safado, eu levo a pior. Mas quem é o safado? Um assassino de aluguel, amigo meu? Eu não tenho amigos! Ah, pro diabo! Matarei a primeira pessoa que apontar uma arma para mim e roubar um banco de qualquer jeito! ”
Limpei o sangue que escorria do braço até minha mão e pingava nos meus sapatos, saí do banheiro, a festa continuava cheia. Pedi outra garrafa de cachaça ao Ressaca, sentei na minha mesma mesa de antes e continuei assistindo o show da banda de jazz. Nada de estranho aconteceu. Algumas pessoas sentaram na minha mesa para comprar algumas doses de heroína, quando a banda terminou de tocar, eu estava com quinhentas pratas na minha carteira.
Os músicos largaram seus instrumentos, a cantora loira acendeu um cigarro enquanto o pianista a cobriu os ombros com seu casaco de pele.
- Obrigada, querido! – A cantora disse sorrindo para o pianista.
- Vamos para fora. – Ele respondeu.
O pequeno saxofonista me fez um gesto para sair junto com a banda, verifiquei se ainda tinha droga para eles em meu bolso, eu tinha drogas o suficiente para fazer uma orquestra inteira de musica clássica tocar rock psicodélico! Pisquei para ele que ficou muito alegre e se curvou para mim como um ator em um palco de teatro antes de a cortina fechar, o grande baterista negro me comprimentou inclinando seu chapéu antes de sair por último pela porta atrás do palco com uma estrela escrita “camarim”. Depois de cinco minutos terminei o meu último copo de cachaça e entrei no “camarim” que era uma rua estreita nos fundos do bar ao lado de um terreno baldio escuro cheio de entulho, lixo e baratas.
- Quanto vai ser, meus queridos? – Perguntei antes de levar um golpe com um bastão na cabeça que me derrubou direto de cara no chão de cimento. Enquanto me chutavam, agarrei o pé do grande baterista e o joguei no pequeno saxofonista, me levantei quando os dois caíram no chão e o pianista sacou uma daquelas facas de mola com uma lamina de dez centímetros. A cantora ainda fumava seu cigarro e estava com a mão direita na bolsa.
Explodi a cabeça do maldito quando ele pulou em mim, a cantora começou a chorar e quando sacou sua arma dei um tiro em seu cano arrancando o revolver de sua mão sem feri-la, ela caiu no chão e continuou chorando. Dei alguns tiros nos outros dois músicos antes de se levantarem e poupei a garota. Quando estava de saída, um carro parou na minha frente. Era Mariana Metralha.
- Não vai matar essa? –Ela perguntou.
- Não.
- Então eu mato os dois. – Esperei friamente algum movimento seu, ela me estudou bem olhando nos meus olhos, então disse. – Tudo bem. Está contratado, entre no carro, rápido!
Entrei no lado do carona, era um daqueles carros esportes potentes e muito rápidos, do tipo que se vê nos cinemas, mas invés de vermelho era completamente preto o que me dava a sensação da presença da morte. Ela arrancou cantando os pneus no asfalto, em alguns segundos o carro acelerou a 60 km/h.
- Uma banda de jazz? Você contratou uma banda de jazz para me matarem! Você é mais louca do que eu pensei. – Disse.
- Eles não são apenas uma banda de jazz, são os mais famosos foragidos de Nova York, A gangue Chega de Charlie Parker, já roubaram mais de cinqüenta bancos. Aquela cantora que você não matou já zerou no mínimo trezentas pessoas sem nunca ter mostrado piedade. Saiba que aquela banda de jazz era muito mais qualificada do que você. – Fiquei com o orgulho ferido. – Mas eles são metódicos demais para mim, eu gosto de festa e bagunça e te acho uma gracinha, baby.
Recuperei minha auto-estima e sorri.
- Para aonde vamos? – Quis saber.
- Para qualquer lugar do mundo, baby!
- Qualquer um?
- Sim, o que você quiser. Mas antes vamos passar no banco pegar uma grana.
- Mas, agora?
- Sim, baby. Agora. – Ela me respondeu, realmente eu fiquei muito impressionado e com mais tesão.

Estacionamos o carro na esquina da rua a trezentos metros do banco à meia noite, assaltamos uma funerária, cujo dono era um velho magro como um cadáver, depois de dar uns tapas em sua cara, ele entrou de livre e espontânea vontade em um caixão de mogno no qual o trancamos e levamos a limusine fúnebre para derrubar a porta principal do banco atropelando dois guardas na entrada, estacionamos em cima de outros dois em frente aos caixas. Os outros seis guardas ainda vivos ficaram paralisados ao ver Mariana Metralha saindo do carro e perguntando:
- Alguém pode me dizer onde fica o cemitério?
O primeiro guarda que apontou seu 38 foi metralhado dos pés à cabeça, os outros cinco se esconderam atrás dos balcões quando eu saí da limusine. Nos trocamos tiros por quatro minutos, estourei a cabeça de dois, Mariana metralhou mais três. Explodimos o cofre com dinamite matando mais dois guardas que estavam lá dentro, enchemos a limusine com quinhentas mil pratas. Na esquina a trezentos metros do banco passamos o dinheiro para o carro esporte. Enquanto eu acelerava, uma viatura se aproximou, sentada na janela do carona Mariana Metralha atirou na limusine com sua bazuca explodindo também a viatura.
Rapidamente cheguei a 90 km/h, os sons das sirenes aumentaram, havia mais duas viaturas na nossa cola. Mariana Metralha atirou no motorista do carro mais perto que em seguida bateu no segundo fazendo-o capotar. Pegamos a estrada, ficamos ricos e nos apaixonamos. Isso sim era festa!