segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Heroínas e Criminosas - por Pedro Medeiros




Um drogado toca o saxofone se contorcendo, suando e babando, seu instrumento berrava melodias de be bop agonizantes como as convulsões de um viciado em crise de abstinência. A cantora era uma loira gostosa bem afinada. Havia dois negros, um gordo no piano e outro brutamonte na bateria. Meus melhores clientes, todos viciados.
O bar estava cheio. As dançarinas terminaram sua apresentação de dança e canções tórridas e agora circulavam em meio à multidão, rindo e conversando. Uma sentou-se à mesa em que eu estava e me perguntou:
- Quer croquete?
Ressaca me encarava de seu bar atrás do balcão com cara de poucos amigos. Claro que ele ficou com o seu orgulho ferido depois do tiroteio em que mandei três de seus melhores subordinados para a cova e quebrei três de seus melhores dentes, também era certo que eu entrar em seu bar foi como um tapa na sua cara. Ele quer se livrar de mim e não vai ser com uma linda dançarina que vai conseguir. Eu não sou idiota!
- Vai embora, menina. Está me atrapalhando. – Falei. Ela me pareceu magoada.

Estava naquela ratoeira àquela noite por causa de uma carta em que uma mulher pedia a minha ajuda, apesar de não haver especificação do tipo de serviço requisitado pela minha mais recente e misteriosa cliente, havia uma quantia de dinheiro mais que o suficiente para eu levar até mesmo dois tiros de boa vontade, eu tenho muitos dotes profissionais. De fato quando alguém recorre a mim é porque está desesperado e quer a policia bem longe. A suposição mais provável era a de uma armadilha, pois muitas pessoas nesse buraco querem a minha caveira e se estão dispostas a pagar bem por ela, quem sou eu para estragar a festa? Estava começando a me entediar.


- Eu estava só brincando. – A dançarina me disse. Ela é mesmo muito bonita, até meiga, me lembrei da primeira namorada que tive na escola. – Tenho um trabalho para você.
- Eu devo ser a babá mais cara da cidade. – Brinquei, e ela riu.
- Talvez lhe interesse um assalto a banco. – Ela disse, fiquei impressionado. – Foi muito corajoso em vir; ou talvez, muito burro. Acha que sai vivo?
- Muito bem, docinho! Qual é a jogada? – perguntei.
- Muito simples. Você é um cara esperto, frio, assassino e maluco o suficiente para o serviço. Saia vivo daqui e o emprego é seu. Boa sorte!
Comecei a rir feito um louco e disse:
- Não há ninguém aqui homem o suficiente para me zerar!
- Há uma pessoa, amigo seu, assim como você é um assassino de aluguel e está interessado em participar do assalto, para isso terá que matá-lo e vice-versa. Entendeu?
- Que merda de brincadeira é essa, guria?
- Não estou brincando. – Ela se levantou.
- Por que acha que não vou matá-la também? – Perguntei segurando o seu braço.
- Por causa do dinheiro, meu bem. É uma festa! Divirta-se! – Ela saiu, comecei a sentir muito tesão.

Terminei a minha cachaça, fui ao banheiro que parecia mais com o esgoto da cidade Merdolândia, sentei na privada menos cagada com o temor de um rato me surpreender pela traseira, apliquei três picadas de heroína no meu antebraço esquerdo, levantei com a cabeça flutuando no teto e o tesão aumentando. Saquei minha Magnum que sempre me traz felizes lembranças do passado quando a vejo, guardei a pistola de volta no bolso do casaco, molhei a cara com o mijo que saía da torneira daquela pia, me olhei no espelho e refleti.
“ Tudo bem. Agora não é momento para nostalgias, tenho que entender bem toda a situação em que me meti... Aquela dançarina é mesmo muito gostosa, qual era mesmo seu nome? ... Droga! Agora, eu me lembro, já vi ela antes em um tiroteio a um ano atrás durante a guerra das ruas das cinco máfias pela conquista de territórios da cidade, ela usa uma metralhadora de assalto, às vezes uma bazuca, e explode seis cabeças em três segundos. Mariana Metralha! Nossa! Essa mulher é uma celebridade! Não é a toa que Ressaca estava nos cuidando por detrás daquele bar bagaceiro, ele deve estar se borrando de medo agora. Hihihi... Bem, tenho certeza de que essa garota não está de brincadeira, conheço bem o seu trabalho, ela já roubou mais de dez bancos nos últimos cinco anos e é procurada sob a pena de morte. À duas semanas atrás, seu antigo parceiro, Johnny Bate Botas, foi encontrado sem as botas e com um tiro no meio da testa em um beco no centro a quinze minutos daqui, quem o matou? A policia? Um traficante? Ressaca? Mariana Metralha? Jesus? Não sei e não me interessa.
“ Um assalto a banco me tiraria da merda em que estou vivendo, e não há ninguém melhor qualificado para bolar tal covardia do que a própria Mariana Metralha, ela realmente atira muito bem. Pareço não ter escolhas, se eu não sair desse banheiro e matar um safado, eu levo a pior. Mas quem é o safado? Um assassino de aluguel, amigo meu? Eu não tenho amigos! Ah, pro diabo! Matarei a primeira pessoa que apontar uma arma para mim e roubar um banco de qualquer jeito! ”
Limpei o sangue que escorria do braço até minha mão e pingava nos meus sapatos, saí do banheiro, a festa continuava cheia. Pedi outra garrafa de cachaça ao Ressaca, sentei na minha mesma mesa de antes e continuei assistindo o show da banda de jazz. Nada de estranho aconteceu. Algumas pessoas sentaram na minha mesa para comprar algumas doses de heroína, quando a banda terminou de tocar, eu estava com quinhentas pratas na minha carteira.
Os músicos largaram seus instrumentos, a cantora loira acendeu um cigarro enquanto o pianista a cobriu os ombros com seu casaco de pele.
- Obrigada, querido! – A cantora disse sorrindo para o pianista.
- Vamos para fora. – Ele respondeu.
O pequeno saxofonista me fez um gesto para sair junto com a banda, verifiquei se ainda tinha droga para eles em meu bolso, eu tinha drogas o suficiente para fazer uma orquestra inteira de musica clássica tocar rock psicodélico! Pisquei para ele que ficou muito alegre e se curvou para mim como um ator em um palco de teatro antes de a cortina fechar, o grande baterista negro me comprimentou inclinando seu chapéu antes de sair por último pela porta atrás do palco com uma estrela escrita “camarim”. Depois de cinco minutos terminei o meu último copo de cachaça e entrei no “camarim” que era uma rua estreita nos fundos do bar ao lado de um terreno baldio escuro cheio de entulho, lixo e baratas.
- Quanto vai ser, meus queridos? – Perguntei antes de levar um golpe com um bastão na cabeça que me derrubou direto de cara no chão de cimento. Enquanto me chutavam, agarrei o pé do grande baterista e o joguei no pequeno saxofonista, me levantei quando os dois caíram no chão e o pianista sacou uma daquelas facas de mola com uma lamina de dez centímetros. A cantora ainda fumava seu cigarro e estava com a mão direita na bolsa.
Explodi a cabeça do maldito quando ele pulou em mim, a cantora começou a chorar e quando sacou sua arma dei um tiro em seu cano arrancando o revolver de sua mão sem feri-la, ela caiu no chão e continuou chorando. Dei alguns tiros nos outros dois músicos antes de se levantarem e poupei a garota. Quando estava de saída, um carro parou na minha frente. Era Mariana Metralha.
- Não vai matar essa? –Ela perguntou.
- Não.
- Então eu mato os dois. – Esperei friamente algum movimento seu, ela me estudou bem olhando nos meus olhos, então disse. – Tudo bem. Está contratado, entre no carro, rápido!
Entrei no lado do carona, era um daqueles carros esportes potentes e muito rápidos, do tipo que se vê nos cinemas, mas invés de vermelho era completamente preto o que me dava a sensação da presença da morte. Ela arrancou cantando os pneus no asfalto, em alguns segundos o carro acelerou a 60 km/h.
- Uma banda de jazz? Você contratou uma banda de jazz para me matarem! Você é mais louca do que eu pensei. – Disse.
- Eles não são apenas uma banda de jazz, são os mais famosos foragidos de Nova York, A gangue Chega de Charlie Parker, já roubaram mais de cinqüenta bancos. Aquela cantora que você não matou já zerou no mínimo trezentas pessoas sem nunca ter mostrado piedade. Saiba que aquela banda de jazz era muito mais qualificada do que você. – Fiquei com o orgulho ferido. – Mas eles são metódicos demais para mim, eu gosto de festa e bagunça e te acho uma gracinha, baby.
Recuperei minha auto-estima e sorri.
- Para aonde vamos? – Quis saber.
- Para qualquer lugar do mundo, baby!
- Qualquer um?
- Sim, o que você quiser. Mas antes vamos passar no banco pegar uma grana.
- Mas, agora?
- Sim, baby. Agora. – Ela me respondeu, realmente eu fiquei muito impressionado e com mais tesão.

Estacionamos o carro na esquina da rua a trezentos metros do banco à meia noite, assaltamos uma funerária, cujo dono era um velho magro como um cadáver, depois de dar uns tapas em sua cara, ele entrou de livre e espontânea vontade em um caixão de mogno no qual o trancamos e levamos a limusine fúnebre para derrubar a porta principal do banco atropelando dois guardas na entrada, estacionamos em cima de outros dois em frente aos caixas. Os outros seis guardas ainda vivos ficaram paralisados ao ver Mariana Metralha saindo do carro e perguntando:
- Alguém pode me dizer onde fica o cemitério?
O primeiro guarda que apontou seu 38 foi metralhado dos pés à cabeça, os outros cinco se esconderam atrás dos balcões quando eu saí da limusine. Nos trocamos tiros por quatro minutos, estourei a cabeça de dois, Mariana metralhou mais três. Explodimos o cofre com dinamite matando mais dois guardas que estavam lá dentro, enchemos a limusine com quinhentas mil pratas. Na esquina a trezentos metros do banco passamos o dinheiro para o carro esporte. Enquanto eu acelerava, uma viatura se aproximou, sentada na janela do carona Mariana Metralha atirou na limusine com sua bazuca explodindo também a viatura.
Rapidamente cheguei a 90 km/h, os sons das sirenes aumentaram, havia mais duas viaturas na nossa cola. Mariana Metralha atirou no motorista do carro mais perto que em seguida bateu no segundo fazendo-o capotar. Pegamos a estrada, ficamos ricos e nos apaixonamos. Isso sim era festa!

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