sábado, 27 de fevereiro de 2010

O Filho do Açougueiro por Pedro Medeiros


À meia-noite em uma fria sexta-feira 13 em um cemitério infestado de corvos e ratos em Londres, o vulto de um homem alto e muito magro de cartola e vestindo um longo sobretudo escuro caminha apressadamente entre as lápides e a neblina da madrugada que impede qualquer pessoa de enxergar qualquer coisa a mais de dois metros de distancia. O homem passa por um velho coveiro dormindo dentro de uma cova abraçado a uma garrafa de dois litros vazia e diz para si mesmo “Ah... A embriaguez: o sono dos justos e mal amados!” Ele atravessa o cemitério e entra em uma catedral gótica de arquitetura monumental- cheia de estátuas de gárgulas e uma imensa escadaria que dava numa pesada porta de madeira e ferro de três metros de altura e três metros de largura-. O interior da catedral impressionaria qualquer ser - humano tanto quanto um anão vestido de palhaço matando oito pessoas a sangue frio. O ar pesado e o cheiro de velas opressivo e solene deram a impressão ao visitante noturno de Deus estar ali mesmo observando e julgando. O homem alto caminhou até o final do tapete vermelho que vai da entrada ao altar onde um padre idoso e um pouco acima do peso com a boca e os dentes roxos e as bochechas vermelhas, cabelos brancos, vestido numa toga amarrada na cintura por uma corda de náilon mamava uma garrafa de vinho quase vazia.
“Seja bem vindo à casa de Deus! Aceita um sanguezinho do filho dele? Hehehe!” O padre disse balançando a garrafa para o homem que entrara. O aspecto do visitante era a de um homem doente e cansado. Ele estava extremamente pálido, olheiras profundas e roxas, tremia nervosamente e tinha um tique nervoso que contrai sua narina direita e faz seu olho piscar involuntariamente. Usava calças curtas demais que acabam antes dos tornozelos e expunha suas peúgas velhas, sua cartola toda remendada revelava-se em péssimo estado, assim também como suas mãos cheias de cicatrizes.
“Eu vim para me confessar, padre.” O visitante disse.
O padre largou a garrafa e falou vestindo o capuz: “Muito bem, meu jovem. Acompanhe-me!”
O homem seguiu o vigário. Ele não gostou de entrar no confessionário. Sentiu-se sufocando dentro daquele pequeno espaço.
“Quando foi a última vez que você se confessou, meu filho?” O padre perguntou através da tela de madeira.
“Na última vez que me confessei eu tinha cinco anos, portanto faz trinta e cinco anos.”
“Bem... Comece do início!” O sacerdote suspirou.
“Eu cresci nessa cidade em um bairro pobre. Meu pai me odiou desde o dia em que eu nasci e minha mãe morreu momentos após o parto. O velho me culpou a vida inteira por eu ter sido a causa da morte da mulher que ele amava e era dono de um açougue chamado Carnificina. O mais perto que já cheguei de ter um amigo era um criado seu chamado Charles. Eu assistia Charles trabalhando por horas todos os dias e ajudava-o a abater os porcos e a abri-los. Eu me divertia muito com ele e às vezes cheguei a sentir-me feliz em sua companhia. Ele tinha vinte anos e eu sete quando ladrões de treze anos me obrigaram a comer merda. Charles venceu o líder da gangue em uma briga de facas para me proteger de mais perseguições, mas o grupo se vingou. Eles mataram meu companheiro, o jogaram dentro de um saco de lixo cheio de merda e deram para os porcos comerem enquanto eu presenciava toda a atrocidade. Após a morte de seu criado, cuja culpa foi minha, o meu pai autoritário alterou-se para um psicopata. Suas agressões contra mim intensificaram. Passou a me surrar todos os dias com todos os tipos diferentes de facas que um açougueiro possui. Inclusive me trancar por dias em um armário cheio de restos não aproveitáveis de porcos foi uma de suas crueldades. Fui obrigado pela fome a me alimentar daquelas carcaças repugnantes. Quando completei dezoito anos eu matei o filho-da-puta no seu próprio açougue com suas mesmas ferramentas que ele usara tantas vezes contra mim.”
“Seus pecados são atrozes, mas Deus...” O sacerdote tentou falar.
“Não me interrompa, padre! Eu não terminei ainda.”
O padre suspirou. O filho do açougueiro continuou sua narrativa:
“Aos meus vinte anos, apaixonei-me por uma linda prostituta. Seu nome era Mary Ann. Todo o dinheiro que eu roubava, eu usava para comprar uma parcela de seu amor. E que mulher! Ela faria um padre defecar no chapéu do papa em troca de alguns minutos de prazer HEHEHEHE...(risadas sacanas) Mulher alta, graciosa, esbelta, com um par de pernas, seios e bunda magníficos! Depois de algum tempo ela começou a demonstrar afeto por mim e às vezes em que eu não tinha dinheiro ela não me cobrava pelo seu corpo. Eu quis tirar ela da vida de burlescos e estou certo de que a amava, portanto pedi sua mão em casamento na minha pequena cabana. Ela recusou todas as minhas investidas. Então eu senti o demônio da perversidade possuindo a minha alma pela segunda vez. Eu matei a Mary Ann, esquartejei-a e joguei o seu coração na fornalha. Me senti muito bem e desde então não expulsei mais o diabo sobre o meu controle. Continuei a praticar o esquartejamento em outras meretrizes. Charles me ensinara muito bem seu ofício. Ainda hoje a natureza de meus crimes é um mistério. E o meu trabalho precisamente cirúrgico foi mundialmente reconhecido e temido. Crianças tem pesadelos com meus crimes, outros aspirantes à fama tentam me imitar, os melhores detetives da Europa são atormentados com frustrações e fracassos em suas investigações e os jornais me chamam de Jack The Ripper! Os meus crimes foram todos perfeitos. Nunca me descobririam. Durante longos anos habituei-me ao deleite da certeza de minha segurança. Mas gradativamente o meu prazer se tornou uma idéia perseguidora que me atormentou por noites sem dormir. Era um pensamento obsessivo em minha mente que me enchia de temores. Seguidas vezes me flagrei dizendo em voz alta “Não vão me descobrir!”
Outro dia em que murmurei as mesmas palavras, uma voz que eu já ouvira antes (a voz do demônio) sussurrou em meu ouvido “Desde que você não faça a burrice de se confessar” No momento que ouvi tais palavras o pânico possuiu o meu coração. Comecei a correr mordendo a minha língua sem saber para aonde estava indo. Antes que eu percebesse eu estava numa delegacia confessando todos os meus pecados. Mas o que mais me atormentou foi o fato de que riram de mim. Jack The Ripper é uma lenda e muitos malucos querem que acreditem ou realmente acreditam serem tal entidade. Parecia que eu estava dizendo que era o Napoleão Bonaparte! Padre, você tem que me ajudar!”
“SEU MALDITO!!!! EU O CONDENO AO INFERNO!” O vigário respondeu possuído por uma ira divina.
“Obrigado! Eu sabia que o senhor entenderia.”