Há uma nova heroína na Petrópolis. As casas junkies lotadas de viciados, bacanas, mofo e confusão. As casas junkies ocupam a rua n 45, a rua das putas, cafetões e becos. Território muito disputado no submundo, com grandes quantias de investimentos nos laboratórios de drogas. A nova droga, chamada Cool Dreams, causara ordem e progresso para as atividades econômicas ilegais da pequena comunidade independente. Nada chique. Apenas a mesma velha heroína com um monte de outros venenos.
E eu estou no meio de toda essa sujeira com a merda até o pescoço. É uma noite fria. Parei na lanchonete da garçonete gostosa. Bebi meia jarra de café com conhaque e fumei a metade de uma carteira de cigarros. Não tive um bom dia.
***
Valcaregi e eu estávamos em uma pista quente dada por um viciado das casas junkies após um interrogatório não oficial, digo, sem aquela burocracia toda. Quando o encontramos ele estava arrombando um carrão, o desgraçado correu feito um campeão olímpico com incontinência urinaria. Valcaregi mirou, atirou, o vagabundo caiu e se pôs a gritar como uma garotinha.
“vocês atiraram em mim!”
“não seja infantil.” Eu disse.
“Vamos! Levanta, Vico! ” Valcaregi mandou.
“Vocês atiraram em mim! ” Vico falou como uma criança chorona. E as pessoas aglomeraram-se numa platéia de curiosos. Valcaregi ergueu-o segurando as suas axilas e eu o algemei. Vico ficou de pé sozinho, percebeu que não estava ferido e que sua bota perdeu um salto, começou a resmungar. Caminhamos até o meu Ford cinza a uma quadra atrás.
“Hey, caras! Qual é que é, chefe? ” Vico começou. “ Eu não fiz nada! Vocês estão enganados! Eu sou inocente! Isso é uma injustiça! A maior de todas! Hey Sony, amigo, pará esse carro! Não posso voltar pra cadeia! ”
Eu parei o carro.
“Sony, homem de Deus! Iluminado pela Sua luz! Abençoado sejas! ” Vico louvou-me.
Meti a mão no seu bolso, tirei um monte de saquinhos. Bingo!
“Cool Dreams, hein?! ” Disse com completa satisfação.
“Veja só! Não vamos para a delegacia. Vamos dar uma volta, e você vai nos dizer aonde você conseguiu isso. ” Disse o Valgaregi.
“Ah não! De jeito nenhum! Eu tenho direito a um julgamento justo! Me levem pra delegacia! ” Vico recomeçou o choro.
Desviei o caminho para a floresta. Vico entrou em pânico e começou a gritar.
“Eu quero ir pra cadeia, por favor! Eu quero ser preso! Não ouviu?! Você não entende português?! Não! Pelo amor de Cristo! Deus! Maria!”
Parei o carro.
“Fala, safado! Essa é a tua chance. E é uma ótima chance! Você não quer ir pra cadeia. Eu sei que não. Com essa quantidade de posse você pegaria no mínimo cinco anos e morreria no primeiro mês. Há muitos safados como você presos por tua causa. Acredite, não te quero preso nem morto, pelo menos ainda não. Cansei de fuder com chinelões como você. Ah, não! Eu subi de nível, meu caro! Sou um homem ambicioso e quero os peixões. Para limpar uma cidade precisa começar por cima usando os de baixo, o dia em que eu não precisar de você, pode morrer da forma que preferir!”
“Você é mesmo um canalha, Sony!”
“O maior!”
“Não sei porra nenhuma!”
“Quer brincar comigo, seu merdinha? Hein? Muito bem! Vamos brincar!” Valcaregi saiu do carro arrastando Vico pelos cabelos.
“Abra a boca! ” Eu disse enfim sacando o meu fiel 38 e retirando cinco balas de seis. Mostrei para Vico antes de fechar e girar o tambor.
“Vamos nessa! Vamos jogar! Tenho que confessar, Vico, sou viciado em jogos de azar. Esse se chama Roleta Russa. Se você estiver com sorte terá cinco chances pra falar o que eu quero ouvir.”
Vico mordeu os beiços como um bebê que recusa papa. Minha paciência estava se esgotando e quebrei seus dentes da frente metendo o cano do revolver até a sua garganta.
“Ele não vai conseguir falar com uma arma na goela.” Valcaregi me informou.
“Sim. Claro! Que constrangedor!” Tirei a arma de sua boca a pressionei contra sua testa.
“Agora seja bom menino. E fale aonde conseguiu a droga. Eu sei que você estava vendendo. Diga-me aonde conseguiu. E se você mentir, te mato!”
“Não faria!”
Dois clicks. Vico tremeu e babou como se tivesse convulsões.
Mais um click.
“Eu falo! Eu falo!” Vico gritava em meio de convulsões. “ Lúcifer Sam é o fornecedor! Ele mora no beco 37, número 60. E tem contato direto com os laboratórios. É só isso que sei. Eu juro!”
“Muito bem, garoto! Pode ir embora. Toma, leve teus dentes contigo!”
Meu parceiro e eu fomos para o tal beco. Subimos encima do teto do Ford e alcançamos as escadas de incêndio. Os degraus escorregadios devido à nevoa foram difíceis de escalar, após o primeiro patamar fica fácil graças aos degraus mais largos num ângulo de menos de 90 graus e um corrimão. No segundo andar havia uma gostosa com o corpo de um milhão de dólares e cara de mil, pele branca, ruiva, olhos grandes, pequena, Um metro e sessenta de altura e uns cinqüenta quilos, frágil, ossuda e de topless olhando para nós pela janela com uma expressão convidativa ao som de Miles Davis no rádio. Sempre gostei de mulheres ossudas. Nós entramos.
“Procurando diversão, cowboys?”
“Procuramos Lúcifer Sam.”
A garota lançou um sorriso sarcástico e vestiu uma blusa.
“Vocês vão matá-lo?”
“Vamos apenas conversar.”
A garota pareceu decepcionada.
“Ele mora no quarto andar.”
“Vocês se conhecem?”- Valcaregi perguntou.
“Sim. Ele é meu agente.”
“Ótimo! Ele abrirá a porta pra você.”- Concluí.
A escada daquela pensão fazia o barulho de madeira podre e baratas acasalando. O tosco papel de parede verde-cocô estava rasgado em vários lugares expondo assim os tijolos. O teto mostrava condições de desabar a qualquer segundo. Aquele andar possui oito apartamentos, todos lotados de bugres mortos de fome. A garota bateu três vezes na porta no final do corredor.
“Quem é?! ”- Alguém do outro lado perguntou.
“Sonia! ”- A garota gritou.
Barulhos de seis trancas sendo destravadas. E um negro nem magro, nem gordo de um metro e oitenta com um casaco longo de coro preto, óculos escuros Ray Ban com o aro dourado e um chapéu escuro comum dos anos 40. Com todo o ouro carregado no pescoço, nos dedos e nos dentes daria para financiar uma revolução. Mais um chinelão esnobe e arrogante. Um pilantra de 1,99.
“Eae, vadia! Ta com a grana? ”
“É ele? ”- Valcaregi perguntou.
“É. ”- Sonia respondeu antes de Lucifer Sam sacar uma Glock e disparar cinco tiros na direção do meu parceiro que desviou para dentro do apartamento. Sonia levou os cinco tiros na cara e se estatelou no chão como um saco de batatas desfigurado. Eu quebrei uns dentes do cafetão com uma coronhada que antes mesmo de guspir todo o sangue levou outra do 38 do meu parceiro na nuca e desmaiou de cara no chão.
Quando alguns índios apareceram no corredor, bastou mostrar nossos distintivos para assustá-los o suficiente para voltarem aos seus quartos. Revistando o pequeno cubículo encontramos umas poucas gramas de heroína, crack, maconha, cocaína, antidepressivos, estimulantes, uma 12, vinte mil pratas e uma agenda preta com endereços, telefones e uma lista das farmácias da cidade. Ligamos para a central. Mandaram uma viatura com o delegado Santos e uma ambulância com um legista e um fotógrafo. Quando perguntaram o que fazíamos naquela arapuca, respondemos que a prostituta com medo do cafetão ligou para a delegacia pedindo socorro. Nosso velho amigo, delegado Santos, confirmou a nossa história pra boi dormir. Lúcifer Sam já havia sido aprendido uma dúzia de vezes por assaltos a farmácias, tráfico e prostituição. E agora podia pegar cadeira elétrica por assassinato.
Na sala de interrogatórios demos um banquinho pro Lúcifer Sam sentar em frente à mesa iluminada com uma lâmpada muito quente que quase cegava o assassino. Eu estava sentado em uma cadeira na sua frente, e o Valcaregi de pé e braços cruzados no canto escuro da sala.
“Eu quero um advogado! ”- O assassino rosnou.
“Claro! Não há problema nenhum nisso! Pode ser providenciado. Não é mesmo Valca?”
Valcaregi pigarreou e não disse nada.
“Mas antes nos diga aonde fazem Cool Dreams? ”- Acrescentei.
“Por que você acha que eu vou saber isso?! ”- Sam questionou-me com legitimo espanto.
“Esse caso já é velho. Há três anos que nós temos a certeza de que os laboratórios são localizados nesse mesmo bairro. Certa vez pegamos um caminhoneiro por contrabandear equipamentos químicos, mas quando checamos os endereços de entregas os lugares haviam se mudado instantes antes de nós chegarmos. Meu caro, você está numa posição muito delicada e terá que se esforçar bastante para permanecer vivo, o único jeito é cooperar conosco. Você poderá pegar perpétua numa prisão de segurança máxima ou cadeira elétrica. O que você acha?”- Eu respondi.
“Eu quero um advogado!”
Valcaregi avançou e meteu a mão aberta na cara do palhaço. Eu o segurei por debaixo dos braços para ele não cair. Valcaregi algemou seus calcanhares e os pulsos, abriu a porta e me ajudou a pendurar Sam atordoado de cabeça para baixo na porta pelos calcanhares. Pisamos nas algemas das mãos para esticá-lo o máximo possível. Lúcifer Sam tentava gritar, mas não tinha força e parecia se engasgar com a língua. Em cinco minutos ele nos deu um endereço e falou tudo o que sabia o que não era muito. Chamamos um advogado para o infeliz e o deixamos numa cela a espera de seu julgamento.
Saímos às pressas. Chamamos reforços pelo rádio do meu Ford. O dia estava no fim, assim como o meu juízo. O endereço que Lúcifer Sam nos deu - o beco 13, número 666, - era uma casa de dois andares, atrás da maior farmácia da cidade. Estacionei a meia quadra de distância no outro lado da rua.
“Talvez seja melhor esperarmos o reforço.” Valcaregi refletiu.
“Para escaparem mais uma vez? Não quero dar mais tempo a eles. Melhor entrarmos agora antes que um coral de sirenes bote eles pra correr.” Eu respondi.
Saquei o 38 e saí do carro. Valcaregi me acompanhou a quatro passos atrás de mim. A porta estava trancada. Nada de escada de incêndio dessa vez. Chutei a janela da altura do meu pé e entramos num porão mal iluminado com cheiro de gás e um monte de tralhas. Subimos a escada. A porta não estava trancada. A casa por dentro era tão charmosa quanto o lado de fora. Espaçosa com a decoração elegante. A mobília simples e de bom gosto. Armários e mesas de mogno, sofás de couro, chão encerado com tapetes feitos à mão. Passamos um corredor, uma sala, um escritório e outro corredor até chegar a uma escada ao lado da cozinha. Demos uma olhada na cozinha e vimos panelas cheias de meta-anfetamina. Subimos ao segundo andar aonde quatro nerds trabalhavam misturando e fervendo líquidos em centenas de tubos de ensaio com um bacana bem vestido e mais velho gritando.
“Essa merda toda tem que está pronta amanhã, senão boto vocês na rua! Comprei uma bela casa pra vocês. Não me decepcionem! Ouviram-me, bando de ratos de laboratório?!”
O homem parecia ter quarenta anos, um metro e setenta e em boa forma. Vestia um terno caro preto com riscas de giz.
“Acabou a putaria!”- Meu parceiro gritou.
Valcaregi andou para o meio do laboratório com seu 38 apontado para o bacana que se calou com o ódio brilhando no seu olhar, e eu fiquei perto da escada apontando para os nerds.
“Mãos na cabeça e nariz na parede!”- Eu gritei. Os cinco obedeceram antes de um sexto marginal que subiu a escada sem fazer um ruído me lançou um frasco de ácido na cara quase me deixando cego. A dor foi alucinante. E eu gritei como se alguém arrancasse toda a pele do meu rosto com uma colher.
O Valcaregi atirou no lançador de ácido que rolou escada abaixo. O bacana sacou uma pistola e acertou meu parceiro na cabeça. Eu descarreguei o 38 na barriga dele. Para piorar a situação as balas atravessaram-no e furaram uma panela fervendo no fogão. O liquido pegou fogo quase ao mesmo tempo em que vazou pelos buracos de bala queimando os quatro nerds em segundos e o andar inteiro em minutos. Saí da casa com a cara transformada em um hambúrguer. Comprei pomada para queimadura na farmácia. Fui na lanchonete da garçonete gostosa em frente. Injetei-me uma grande quantidade da Cool Dreams para aliviar a dor. Pedi café que enchi com conhaque. E penso no dia de merda que tive. Começo a escutar as sirenes.
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