terça-feira, 20 de outubro de 2009

Morto de Sorte - por Pedro Medeiros



Pelas ruas do bairro Sargenópolis da cidade Baixa caminhava um homem negro solitário de chapéu preto com a aba aterrada na cara, a gola de seu casaco preto estava levantada até seu queixo, as bainhas de sua calça preta estavam rasgadas e seus sapatos pretos eram novos e pertenciam a um morto. O 38 carregado coçava em seu cóccix. Estava chovendo, ventando e era noite de natal. As calçadas estavam infestadas de mendigos, crianças aleijadas, travestis, lixo e macumba.
O homem negro dobrou à direita em uma rua sem saída. O beco tinha cinco metros de extensão concluídos por um muro de tijolos manchados com sangue seco e cinco metros de largura separando um motel à direita e uma pensão de mexicanos à esquerda. Entre as latas e sacos de lixo da pensão ilegal havia uma porta de ferro enferrujado e um gato preto deliciando um rato cinza.
O homem sorriu. Era tudo que precisava: mais alguns anos de azar. Pisou na cabeça do gato, esmagando seu crânio no chão de cimento e bateu sete vezes na porta. Uma pequena janela de correr abriu mostrando um par cínico de olhos apertados.
- Quem é você? E o que quer? – Perguntou o par de olhos apertados.
- Sou o Coveiro. Vim lavar a minha roupa suja – Respondeu ainda com o mesmo sorriso ao executar o gato vira-lata.
A janela fechou e a porta de ferro abriu.
O Coveiro negro, encardido e sujo entrou na sala deixando pegadas vermelhas com miolos de gato no piso de quadrados brancos com pretos. Não havia janela. A única iluminação vinha de uma lâmpada de cem watts, do outro lado da sala havia uma porta de madeira, um sofá mofado na parede oeste e uma mesa de pôquer no centro. O homem que abrira a porta era alto e magro.
- Merda! Perdi todas as minhas fichas! – Disse ele sentando no sofá abrindo um jornal.
Ainda com o mesmo sorriso cretino Coveiro permaneceu em pé ao lado da mesa aonde dois homens jogavam cartas e percebeu que as fichas eram buchas de cocaína.
- Olá, Carraspana! – Coveiro disse ainda com o mesmo sorriso.
- Coveiro, meu querido! Ainda bem que o senhor veio! Acho que você e o Loiro já se conhecem. – Disse ele apontando para o homem magro no sofá com o canto dos olhos.
Mesmo sentado, Carraspana era um homem muito grande e muito forte, parecia estar de bom humor mesmo perdendo para um baixinho, magrinho, tipo nervoso. Pois é... Seu pequeno adversário estava com quase todas as fichas do jogo e estava mesmo muito nervoso ou até mesmo com muito medo, ele tremia e suava enquanto embaralhava as cartas para uma nova rodada. O jogo estava no final.
- Claro. Assaltamos a mesma loja de bebidas por engano. Enquanto trocava-mos alguns socos, os funcionários sacaram revolveres e espingardas. Juntos acabamos com cinco judeus. Loiro é impressionante com sua bereta. Acerta uma moeda de olhos fechados!
Loiro riu e disse ainda lendo seu jornal:
- E você tem um soco e tanto. Meu queixo ficou durinho como cu de freira.
- Eu estava usando um soco inglês. – Coveiro gargalhou. – Você sabe... São ossos do ofício.
- Claro. Depois enchemos a cara de whisky irlandês, fizemos mais alguns assaltos e matamos uns japas.
- Que bom! Então somos todos amigos aqui! – Carraspana concluiu. – E esse rapaz que está me dando uma surra nas cartas é o Baixinho. Ele vem da Interionópis de uma família colona. Quando ele estava na cidade morrendo de fome na ruela do esgoto, eu dei a ele lugar no nosso pequeno bando. Tive que ensiná-lo a fazer tudo. Fora fazer canha caseira e plantar batata, ele não sabia nem atirar com um estilingue.
- Eae. – Coveiro murmurou para o Baixinho que não respondeu.
- O problema dele é não estar acostumado com a nossa situação atual. Sabe, é muita pressão. Estamos escondidos nesse buraco há alguns meses, e esse guri é muito novo para agüentar o confinamento e eu tenho medo que ele estrague nosso trabalho de amanhã por causa de sua incapacidade em lidar com nossas condições. Acho que você fará o assalto no lugar dele, Coveiro, para o Baixinho não estragar com tudo. Há algumas horas esse maluco estava para nos abandonar com minha irmã. – Carraspana explicou.
- Não foi nada disso chefe. – Começou o Baixinho. – Nós íamos nos casar. Eu a amo, só isso. Meu irmão é pastor e faria o casamento. Seria muito discreto.
- Discreto? Vinte e cindo mil pratas é dinheiro demais para uma cerimônia discreta. Não acha? – Carraspana questionou apontando para uma maleta aberta no chão cheia de dinheiro.
- Os vinte e cinco mil são para o meu irmão. Sua igreja foi incendiada com o resto de nossa família miserável por um grupo de satânicos radicais da cidade.
- Deveriam enforcar esses anticristos malditos! Imaginem só: não passam de umas crianças que não sabem se chapar por falta de laço de seus malditos pais gigolôs e mães prostitutas! – Loiro comentou lendo seu jornal sentado no sofá com as pernas cruzadas como uma mulher.
- Entendo. – Assentiu Carraspana. – E as outras malas são para passar a lua de mel em Las Vegas?
- Por favor, chefe! Camila está grávida e nós nos amamos!
- Claro que sim. E vocês querem fugir.
- Não, chefe. Claro que não. Você não está entendo. – Baixinho disse distribuindo as cartas.
Esse comentário irritou Carraspana que acendeu um cigarro e o tragou com a expressão franzida de forma impaciente.
- Entenda você! – Carraspana ordenou olhando para as cartas em suas mãos. Não havia jogo nenhum e certamente perderia de novo. – A policia está na nossa cola. Não podemos sair do esconderijo. Eu dou graças a Deus por estar sentado em uma mesa de pôquer cheia de pó com meus amigos invés de uma cadeira elétrica em um chiqueiro nojento cheio de porcos nojentos fazendo churrasco com minha carne nojenta. Você é um ingrato! – Carraspana comprou mais uma carta, isso não melhorou seu jogo e o deixou mais irritado. – E se um moleque do Eddie Mata o pegasse? Faz idéia do que fariam com você?
- Me matar? – Baixinho debochou.
- Não antes de fazê-lo cantar e nos matarem também. Compreende? – Perguntou Carraspana com a expressão severa.
- Não estamos na zona dele. – Baixinho replicou.
- Está brincando ou és idiota, Baixinho? – Perguntou Loiro virando a página do jornal. – Toda essa maldita cidade fedorenta é dele: os traficantes, os guardas, prostitutas e até os mendigos! Talvez você também seja uma de suas cafetinas, assim Eddie Mata o ajudaria com a lua de mel, não?
- Não. Não acredito que vocês pensam uma coisa dessas! – Baixinho ficou nervoso. – Vocês estão muito errados!
- Errado está você em nos dar motivos para pensar, Baixinho! – Carraspana trocou duas cartas, ainda sem jogo apostou mais algumas fichas. – Nossa posição de respirar nessa cidade está muito delicada. E você arrisca demais. Só podem existir duas razões: Você é muito burro ou um rato do Eddie Mata.
- Eu sou burro, chefe. Mas não sou nenhum rato!
- Você é um ingrato!
- Não, chefe. Eu sou muito grato a você. Você é meu senhor, e eu amo a sua irmã.
- Você perdeu a fé, meu irmão – Lamentou Carraspana triste. – e partiu o meu coração. - Comprou mais três cartas e ainda nada de jogo. – Precisamos de só mais alguns dias para sair desse buraco. E você quase fode com tudo! Não posso confiar mais em você.
Carraspana apostou todas suas fichas. O Baixinho agora estava quieto e batendo seus dentes, completamente paralisado pelo medo.
- É melhor você cobrir essa aposta! - Carraspana ordenou se babando.
Baixinho pagou para ver e deitou seu par de três de espadas na mesa e quando viu as cartas do Carraspana , ficou apavorado e começou a bater os dentes com mais força.
- Você ganhou. Pode pegar tudo. - Carraspana falou com muito companheirismo e verdadeira boa vontade. – Vamos partir da cidade amanhã!
Quando o Baixinho esticou a mão encima das fichas, Carraspana esticou o braço levantando da cadeira até quase tocar o teto com uma faca de churrasco e com um golpe prendeu a mão do Baixinho à mesa. Baixinho gritou.
- Você me magoou. – Carraspana falou com cansaço enquanto apagava o cigarro no ouvido do Baixinho.
Baixinho começou a chorar. Loiro largou o jornal e se levantou segurando sua bereta. Coveiro continuou em pé parado no mesmo lugar com o mesmo sorriso que usara ao entrar. Carraspana puxou a faca para cima desprendendo-a da mesa. Baixinho gritou novamente e se atirou no chão.
Agora a porta de madeira abriu. Uma mulher pequena, loira, magra e que seria muito bonita se não fosse pela cicatriz de queimadura em todo o pescoço entrou correndo e chorando se atirou encima do condenado e abraçou-o.
- Essa é a minha irmã. Camila, Coveiro; Coveiro, Camila. – Carraspana apresentou-os.
- Calma, chefe! – Baixinho implorava.
- Eu estou calmo. – Afirmou. – Coveiro, mande esse dois infelizes para o inferno!
Coveiro sacou o 38 da bunda e apontou para o sr. e sra. Infelizes.
- Você está louco? O que está fazendo? – Camila gritou confusa.
- Mostrando para vocês o que é uma cerimônia discreta! – Carraspana respondeu. - Agora os declaro marido e mulher – Pronunciou. Depois se dirigindo ao Coveiro. – Pode matar a noiva.
Coveiro atirou na cabeça, ela morreu abraçada ao marido e o rapaz continuou segurando-a.
- E o noivo. – Carraspana acrescentou.
Outro tiro na cabeça, dessa vez foi no Baixinho. Carraspana retirou seu cigarro do ouvido do morto, desamassou, acendeu, tragou e disse:
- Eu sempre choro em casamentos.

Casas Junkies - por Pedro Medeiros




Há uma nova heroína na Petrópolis. As casas junkies lotadas de viciados, bacanas, mofo e confusão. As casas junkies ocupam a rua n 45, a rua das putas, cafetões e becos. Território muito disputado no submundo, com grandes quantias de investimentos nos laboratórios de drogas. A nova droga, chamada Cool Dreams, causara ordem e progresso para as atividades econômicas ilegais da pequena comunidade independente. Nada chique. Apenas a mesma velha heroína com um monte de outros venenos.

E eu estou no meio de toda essa sujeira com a merda até o pescoço. É uma noite fria. Parei na lanchonete da garçonete gostosa. Bebi meia jarra de café com conhaque e fumei a metade de uma carteira de cigarros. Não tive um bom dia.

***

Valcaregi e eu estávamos em uma pista quente dada por um viciado das casas junkies após um interrogatório não oficial, digo, sem aquela burocracia toda. Quando o encontramos ele estava arrombando um carrão, o desgraçado correu feito um campeão olímpico com incontinência urinaria. Valcaregi mirou, atirou, o vagabundo caiu e se pôs a gritar como uma garotinha.

“vocês atiraram em mim!”

“não seja infantil.” Eu disse.

“Vamos! Levanta, Vico! ” Valcaregi mandou.

“Vocês atiraram em mim! ” Vico falou como uma criança chorona. E as pessoas aglomeraram-se numa platéia de curiosos. Valcaregi ergueu-o segurando as suas axilas e eu o algemei. Vico ficou de pé sozinho, percebeu que não estava ferido e que sua bota perdeu um salto, começou a resmungar. Caminhamos até o meu Ford cinza a uma quadra atrás.

“Hey, caras! Qual é que é, chefe? ” Vico começou. “ Eu não fiz nada! Vocês estão enganados! Eu sou inocente! Isso é uma injustiça! A maior de todas! Hey Sony, amigo, pará esse carro! Não posso voltar pra cadeia! ”

Eu parei o carro.

“Sony, homem de Deus! Iluminado pela Sua luz! Abençoado sejas! ” Vico louvou-me.

Meti a mão no seu bolso, tirei um monte de saquinhos. Bingo!

“Cool Dreams, hein?! ” Disse com completa satisfação.

“Veja só! Não vamos para a delegacia. Vamos dar uma volta, e você vai nos dizer aonde você conseguiu isso. ” Disse o Valgaregi.

“Ah não! De jeito nenhum! Eu tenho direito a um julgamento justo! Me levem pra delegacia! ” Vico recomeçou o choro.

Desviei o caminho para a floresta. Vico entrou em pânico e começou a gritar.

“Eu quero ir pra cadeia, por favor! Eu quero ser preso! Não ouviu?! Você não entende português?! Não! Pelo amor de Cristo! Deus! Maria!”

Parei o carro.

“Fala, safado! Essa é a tua chance. E é uma ótima chance! Você não quer ir pra cadeia. Eu sei que não. Com essa quantidade de posse você pegaria no mínimo cinco anos e morreria no primeiro mês. Há muitos safados como você presos por tua causa. Acredite, não te quero preso nem morto, pelo menos ainda não. Cansei de fuder com chinelões como você. Ah, não! Eu subi de nível, meu caro! Sou um homem ambicioso e quero os peixões. Para limpar uma cidade precisa começar por cima usando os de baixo, o dia em que eu não precisar de você, pode morrer da forma que preferir!”

“Você é mesmo um canalha, Sony!”

“O maior!”

“Não sei porra nenhuma!”

“Quer brincar comigo, seu merdinha? Hein? Muito bem! Vamos brincar!” Valcaregi saiu do carro arrastando Vico pelos cabelos.

“Abra a boca! ” Eu disse enfim sacando o meu fiel 38 e retirando cinco balas de seis. Mostrei para Vico antes de fechar e girar o tambor.

“Vamos nessa! Vamos jogar! Tenho que confessar, Vico, sou viciado em jogos de azar. Esse se chama Roleta Russa. Se você estiver com sorte terá cinco chances pra falar o que eu quero ouvir.”

Vico mordeu os beiços como um bebê que recusa papa. Minha paciência estava se esgotando e quebrei seus dentes da frente metendo o cano do revolver até a sua garganta.

“Ele não vai conseguir falar com uma arma na goela.” Valcaregi me informou.

“Sim. Claro! Que constrangedor!” Tirei a arma de sua boca a pressionei contra sua testa.

“Agora seja bom menino. E fale aonde conseguiu a droga. Eu sei que você estava vendendo. Diga-me aonde conseguiu. E se você mentir, te mato!”

“Não faria!”

Dois clicks. Vico tremeu e babou como se tivesse convulsões.

Mais um click.

“Eu falo! Eu falo!” Vico gritava em meio de convulsões. “ Lúcifer Sam é o fornecedor! Ele mora no beco 37, número 60. E tem contato direto com os laboratórios. É só isso que sei. Eu juro!”

“Muito bem, garoto! Pode ir embora. Toma, leve teus dentes contigo!”

Meu parceiro e eu fomos para o tal beco. Subimos encima do teto do Ford e alcançamos as escadas de incêndio. Os degraus escorregadios devido à nevoa foram difíceis de escalar, após o primeiro patamar fica fácil graças aos degraus mais largos num ângulo de menos de 90 graus e um corrimão. No segundo andar havia uma gostosa com o corpo de um milhão de dólares e cara de mil, pele branca, ruiva, olhos grandes, pequena, Um metro e sessenta de altura e uns cinqüenta quilos, frágil, ossuda e de topless olhando para nós pela janela com uma expressão convidativa ao som de Miles Davis no rádio. Sempre gostei de mulheres ossudas. Nós entramos.

“Procurando diversão, cowboys?”

“Procuramos Lúcifer Sam.”

A garota lançou um sorriso sarcástico e vestiu uma blusa.

“Vocês vão matá-lo?”

“Vamos apenas conversar.”

A garota pareceu decepcionada.

“Ele mora no quarto andar.”

“Vocês se conhecem?”- Valcaregi perguntou.

“Sim. Ele é meu agente.”

“Ótimo! Ele abrirá a porta pra você.”- Concluí.

A escada daquela pensão fazia o barulho de madeira podre e baratas acasalando. O tosco papel de parede verde-cocô estava rasgado em vários lugares expondo assim os tijolos. O teto mostrava condições de desabar a qualquer segundo. Aquele andar possui oito apartamentos, todos lotados de bugres mortos de fome. A garota bateu três vezes na porta no final do corredor.

“Quem é?! ”- Alguém do outro lado perguntou.

“Sonia! ”- A garota gritou.

Barulhos de seis trancas sendo destravadas. E um negro nem magro, nem gordo de um metro e oitenta com um casaco longo de coro preto, óculos escuros Ray Ban com o aro dourado e um chapéu escuro comum dos anos 40. Com todo o ouro carregado no pescoço, nos dedos e nos dentes daria para financiar uma revolução. Mais um chinelão esnobe e arrogante. Um pilantra de 1,99.

“Eae, vadia! Ta com a grana? ”

“É ele? ”- Valcaregi perguntou.

“É. ”- Sonia respondeu antes de Lucifer Sam sacar uma Glock e disparar cinco tiros na direção do meu parceiro que desviou para dentro do apartamento. Sonia levou os cinco tiros na cara e se estatelou no chão como um saco de batatas desfigurado. Eu quebrei uns dentes do cafetão com uma coronhada que antes mesmo de guspir todo o sangue levou outra do 38 do meu parceiro na nuca e desmaiou de cara no chão.

Quando alguns índios apareceram no corredor, bastou mostrar nossos distintivos para assustá-los o suficiente para voltarem aos seus quartos. Revistando o pequeno cubículo encontramos umas poucas gramas de heroína, crack, maconha, cocaína, antidepressivos, estimulantes, uma 12, vinte mil pratas e uma agenda preta com endereços, telefones e uma lista das farmácias da cidade. Ligamos para a central. Mandaram uma viatura com o delegado Santos e uma ambulância com um legista e um fotógrafo. Quando perguntaram o que fazíamos naquela arapuca, respondemos que a prostituta com medo do cafetão ligou para a delegacia pedindo socorro. Nosso velho amigo, delegado Santos, confirmou a nossa história pra boi dormir. Lúcifer Sam já havia sido aprendido uma dúzia de vezes por assaltos a farmácias, tráfico e prostituição. E agora podia pegar cadeira elétrica por assassinato.

Na sala de interrogatórios demos um banquinho pro Lúcifer Sam sentar em frente à mesa iluminada com uma lâmpada muito quente que quase cegava o assassino. Eu estava sentado em uma cadeira na sua frente, e o Valcaregi de pé e braços cruzados no canto escuro da sala.

“Eu quero um advogado! ”- O assassino rosnou.

“Claro! Não há problema nenhum nisso! Pode ser providenciado. Não é mesmo Valca?”

Valcaregi pigarreou e não disse nada.

“Mas antes nos diga aonde fazem Cool Dreams? ”- Acrescentei.

“Por que você acha que eu vou saber isso?! ”- Sam questionou-me com legitimo espanto.

“Esse caso já é velho. Há três anos que nós temos a certeza de que os laboratórios são localizados nesse mesmo bairro. Certa vez pegamos um caminhoneiro por contrabandear equipamentos químicos, mas quando checamos os endereços de entregas os lugares haviam se mudado instantes antes de nós chegarmos. Meu caro, você está numa posição muito delicada e terá que se esforçar bastante para permanecer vivo, o único jeito é cooperar conosco. Você poderá pegar perpétua numa prisão de segurança máxima ou cadeira elétrica. O que você acha?”- Eu respondi.

“Eu quero um advogado!”

Valcaregi avançou e meteu a mão aberta na cara do palhaço. Eu o segurei por debaixo dos braços para ele não cair. Valcaregi algemou seus calcanhares e os pulsos, abriu a porta e me ajudou a pendurar Sam atordoado de cabeça para baixo na porta pelos calcanhares. Pisamos nas algemas das mãos para esticá-lo o máximo possível. Lúcifer Sam tentava gritar, mas não tinha força e parecia se engasgar com a língua. Em cinco minutos ele nos deu um endereço e falou tudo o que sabia o que não era muito. Chamamos um advogado para o infeliz e o deixamos numa cela a espera de seu julgamento.

Saímos às pressas. Chamamos reforços pelo rádio do meu Ford. O dia estava no fim, assim como o meu juízo. O endereço que Lúcifer Sam nos deu - o beco 13, número 666, - era uma casa de dois andares, atrás da maior farmácia da cidade. Estacionei a meia quadra de distância no outro lado da rua.

“Talvez seja melhor esperarmos o reforço.” Valcaregi refletiu.

“Para escaparem mais uma vez? Não quero dar mais tempo a eles. Melhor entrarmos agora antes que um coral de sirenes bote eles pra correr.” Eu respondi.

Saquei o 38 e saí do carro. Valcaregi me acompanhou a quatro passos atrás de mim. A porta estava trancada. Nada de escada de incêndio dessa vez. Chutei a janela da altura do meu pé e entramos num porão mal iluminado com cheiro de gás e um monte de tralhas. Subimos a escada. A porta não estava trancada. A casa por dentro era tão charmosa quanto o lado de fora. Espaçosa com a decoração elegante. A mobília simples e de bom gosto. Armários e mesas de mogno, sofás de couro, chão encerado com tapetes feitos à mão. Passamos um corredor, uma sala, um escritório e outro corredor até chegar a uma escada ao lado da cozinha. Demos uma olhada na cozinha e vimos panelas cheias de meta-anfetamina. Subimos ao segundo andar aonde quatro nerds trabalhavam misturando e fervendo líquidos em centenas de tubos de ensaio com um bacana bem vestido e mais velho gritando.

“Essa merda toda tem que está pronta amanhã, senão boto vocês na rua! Comprei uma bela casa pra vocês. Não me decepcionem! Ouviram-me, bando de ratos de laboratório?!”

O homem parecia ter quarenta anos, um metro e setenta e em boa forma. Vestia um terno caro preto com riscas de giz.

“Acabou a putaria!”- Meu parceiro gritou.

Valcaregi andou para o meio do laboratório com seu 38 apontado para o bacana que se calou com o ódio brilhando no seu olhar, e eu fiquei perto da escada apontando para os nerds.

“Mãos na cabeça e nariz na parede!”- Eu gritei. Os cinco obedeceram antes de um sexto marginal que subiu a escada sem fazer um ruído me lançou um frasco de ácido na cara quase me deixando cego. A dor foi alucinante. E eu gritei como se alguém arrancasse toda a pele do meu rosto com uma colher.

O Valcaregi atirou no lançador de ácido que rolou escada abaixo. O bacana sacou uma pistola e acertou meu parceiro na cabeça. Eu descarreguei o 38 na barriga dele. Para piorar a situação as balas atravessaram-no e furaram uma panela fervendo no fogão. O liquido pegou fogo quase ao mesmo tempo em que vazou pelos buracos de bala queimando os quatro nerds em segundos e o andar inteiro em minutos. Saí da casa com a cara transformada em um hambúrguer. Comprei pomada para queimadura na farmácia. Fui na lanchonete da garçonete gostosa em frente. Injetei-me uma grande quantidade da Cool Dreams para aliviar a dor. Pedi café que enchi com conhaque. E penso no dia de merda que tive. Começo a escutar as sirenes.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Heroínas e Criminosas - por Pedro Medeiros




Um drogado toca o saxofone se contorcendo, suando e babando, seu instrumento berrava melodias de be bop agonizantes como as convulsões de um viciado em crise de abstinência. A cantora era uma loira gostosa bem afinada. Havia dois negros, um gordo no piano e outro brutamonte na bateria. Meus melhores clientes, todos viciados.
O bar estava cheio. As dançarinas terminaram sua apresentação de dança e canções tórridas e agora circulavam em meio à multidão, rindo e conversando. Uma sentou-se à mesa em que eu estava e me perguntou:
- Quer croquete?
Ressaca me encarava de seu bar atrás do balcão com cara de poucos amigos. Claro que ele ficou com o seu orgulho ferido depois do tiroteio em que mandei três de seus melhores subordinados para a cova e quebrei três de seus melhores dentes, também era certo que eu entrar em seu bar foi como um tapa na sua cara. Ele quer se livrar de mim e não vai ser com uma linda dançarina que vai conseguir. Eu não sou idiota!
- Vai embora, menina. Está me atrapalhando. – Falei. Ela me pareceu magoada.

Estava naquela ratoeira àquela noite por causa de uma carta em que uma mulher pedia a minha ajuda, apesar de não haver especificação do tipo de serviço requisitado pela minha mais recente e misteriosa cliente, havia uma quantia de dinheiro mais que o suficiente para eu levar até mesmo dois tiros de boa vontade, eu tenho muitos dotes profissionais. De fato quando alguém recorre a mim é porque está desesperado e quer a policia bem longe. A suposição mais provável era a de uma armadilha, pois muitas pessoas nesse buraco querem a minha caveira e se estão dispostas a pagar bem por ela, quem sou eu para estragar a festa? Estava começando a me entediar.


- Eu estava só brincando. – A dançarina me disse. Ela é mesmo muito bonita, até meiga, me lembrei da primeira namorada que tive na escola. – Tenho um trabalho para você.
- Eu devo ser a babá mais cara da cidade. – Brinquei, e ela riu.
- Talvez lhe interesse um assalto a banco. – Ela disse, fiquei impressionado. – Foi muito corajoso em vir; ou talvez, muito burro. Acha que sai vivo?
- Muito bem, docinho! Qual é a jogada? – perguntei.
- Muito simples. Você é um cara esperto, frio, assassino e maluco o suficiente para o serviço. Saia vivo daqui e o emprego é seu. Boa sorte!
Comecei a rir feito um louco e disse:
- Não há ninguém aqui homem o suficiente para me zerar!
- Há uma pessoa, amigo seu, assim como você é um assassino de aluguel e está interessado em participar do assalto, para isso terá que matá-lo e vice-versa. Entendeu?
- Que merda de brincadeira é essa, guria?
- Não estou brincando. – Ela se levantou.
- Por que acha que não vou matá-la também? – Perguntei segurando o seu braço.
- Por causa do dinheiro, meu bem. É uma festa! Divirta-se! – Ela saiu, comecei a sentir muito tesão.

Terminei a minha cachaça, fui ao banheiro que parecia mais com o esgoto da cidade Merdolândia, sentei na privada menos cagada com o temor de um rato me surpreender pela traseira, apliquei três picadas de heroína no meu antebraço esquerdo, levantei com a cabeça flutuando no teto e o tesão aumentando. Saquei minha Magnum que sempre me traz felizes lembranças do passado quando a vejo, guardei a pistola de volta no bolso do casaco, molhei a cara com o mijo que saía da torneira daquela pia, me olhei no espelho e refleti.
“ Tudo bem. Agora não é momento para nostalgias, tenho que entender bem toda a situação em que me meti... Aquela dançarina é mesmo muito gostosa, qual era mesmo seu nome? ... Droga! Agora, eu me lembro, já vi ela antes em um tiroteio a um ano atrás durante a guerra das ruas das cinco máfias pela conquista de territórios da cidade, ela usa uma metralhadora de assalto, às vezes uma bazuca, e explode seis cabeças em três segundos. Mariana Metralha! Nossa! Essa mulher é uma celebridade! Não é a toa que Ressaca estava nos cuidando por detrás daquele bar bagaceiro, ele deve estar se borrando de medo agora. Hihihi... Bem, tenho certeza de que essa garota não está de brincadeira, conheço bem o seu trabalho, ela já roubou mais de dez bancos nos últimos cinco anos e é procurada sob a pena de morte. À duas semanas atrás, seu antigo parceiro, Johnny Bate Botas, foi encontrado sem as botas e com um tiro no meio da testa em um beco no centro a quinze minutos daqui, quem o matou? A policia? Um traficante? Ressaca? Mariana Metralha? Jesus? Não sei e não me interessa.
“ Um assalto a banco me tiraria da merda em que estou vivendo, e não há ninguém melhor qualificado para bolar tal covardia do que a própria Mariana Metralha, ela realmente atira muito bem. Pareço não ter escolhas, se eu não sair desse banheiro e matar um safado, eu levo a pior. Mas quem é o safado? Um assassino de aluguel, amigo meu? Eu não tenho amigos! Ah, pro diabo! Matarei a primeira pessoa que apontar uma arma para mim e roubar um banco de qualquer jeito! ”
Limpei o sangue que escorria do braço até minha mão e pingava nos meus sapatos, saí do banheiro, a festa continuava cheia. Pedi outra garrafa de cachaça ao Ressaca, sentei na minha mesma mesa de antes e continuei assistindo o show da banda de jazz. Nada de estranho aconteceu. Algumas pessoas sentaram na minha mesa para comprar algumas doses de heroína, quando a banda terminou de tocar, eu estava com quinhentas pratas na minha carteira.
Os músicos largaram seus instrumentos, a cantora loira acendeu um cigarro enquanto o pianista a cobriu os ombros com seu casaco de pele.
- Obrigada, querido! – A cantora disse sorrindo para o pianista.
- Vamos para fora. – Ele respondeu.
O pequeno saxofonista me fez um gesto para sair junto com a banda, verifiquei se ainda tinha droga para eles em meu bolso, eu tinha drogas o suficiente para fazer uma orquestra inteira de musica clássica tocar rock psicodélico! Pisquei para ele que ficou muito alegre e se curvou para mim como um ator em um palco de teatro antes de a cortina fechar, o grande baterista negro me comprimentou inclinando seu chapéu antes de sair por último pela porta atrás do palco com uma estrela escrita “camarim”. Depois de cinco minutos terminei o meu último copo de cachaça e entrei no “camarim” que era uma rua estreita nos fundos do bar ao lado de um terreno baldio escuro cheio de entulho, lixo e baratas.
- Quanto vai ser, meus queridos? – Perguntei antes de levar um golpe com um bastão na cabeça que me derrubou direto de cara no chão de cimento. Enquanto me chutavam, agarrei o pé do grande baterista e o joguei no pequeno saxofonista, me levantei quando os dois caíram no chão e o pianista sacou uma daquelas facas de mola com uma lamina de dez centímetros. A cantora ainda fumava seu cigarro e estava com a mão direita na bolsa.
Explodi a cabeça do maldito quando ele pulou em mim, a cantora começou a chorar e quando sacou sua arma dei um tiro em seu cano arrancando o revolver de sua mão sem feri-la, ela caiu no chão e continuou chorando. Dei alguns tiros nos outros dois músicos antes de se levantarem e poupei a garota. Quando estava de saída, um carro parou na minha frente. Era Mariana Metralha.
- Não vai matar essa? –Ela perguntou.
- Não.
- Então eu mato os dois. – Esperei friamente algum movimento seu, ela me estudou bem olhando nos meus olhos, então disse. – Tudo bem. Está contratado, entre no carro, rápido!
Entrei no lado do carona, era um daqueles carros esportes potentes e muito rápidos, do tipo que se vê nos cinemas, mas invés de vermelho era completamente preto o que me dava a sensação da presença da morte. Ela arrancou cantando os pneus no asfalto, em alguns segundos o carro acelerou a 60 km/h.
- Uma banda de jazz? Você contratou uma banda de jazz para me matarem! Você é mais louca do que eu pensei. – Disse.
- Eles não são apenas uma banda de jazz, são os mais famosos foragidos de Nova York, A gangue Chega de Charlie Parker, já roubaram mais de cinqüenta bancos. Aquela cantora que você não matou já zerou no mínimo trezentas pessoas sem nunca ter mostrado piedade. Saiba que aquela banda de jazz era muito mais qualificada do que você. – Fiquei com o orgulho ferido. – Mas eles são metódicos demais para mim, eu gosto de festa e bagunça e te acho uma gracinha, baby.
Recuperei minha auto-estima e sorri.
- Para aonde vamos? – Quis saber.
- Para qualquer lugar do mundo, baby!
- Qualquer um?
- Sim, o que você quiser. Mas antes vamos passar no banco pegar uma grana.
- Mas, agora?
- Sim, baby. Agora. – Ela me respondeu, realmente eu fiquei muito impressionado e com mais tesão.

Estacionamos o carro na esquina da rua a trezentos metros do banco à meia noite, assaltamos uma funerária, cujo dono era um velho magro como um cadáver, depois de dar uns tapas em sua cara, ele entrou de livre e espontânea vontade em um caixão de mogno no qual o trancamos e levamos a limusine fúnebre para derrubar a porta principal do banco atropelando dois guardas na entrada, estacionamos em cima de outros dois em frente aos caixas. Os outros seis guardas ainda vivos ficaram paralisados ao ver Mariana Metralha saindo do carro e perguntando:
- Alguém pode me dizer onde fica o cemitério?
O primeiro guarda que apontou seu 38 foi metralhado dos pés à cabeça, os outros cinco se esconderam atrás dos balcões quando eu saí da limusine. Nos trocamos tiros por quatro minutos, estourei a cabeça de dois, Mariana metralhou mais três. Explodimos o cofre com dinamite matando mais dois guardas que estavam lá dentro, enchemos a limusine com quinhentas mil pratas. Na esquina a trezentos metros do banco passamos o dinheiro para o carro esporte. Enquanto eu acelerava, uma viatura se aproximou, sentada na janela do carona Mariana Metralha atirou na limusine com sua bazuca explodindo também a viatura.
Rapidamente cheguei a 90 km/h, os sons das sirenes aumentaram, havia mais duas viaturas na nossa cola. Mariana Metralha atirou no motorista do carro mais perto que em seguida bateu no segundo fazendo-o capotar. Pegamos a estrada, ficamos ricos e nos apaixonamos. Isso sim era festa!