terça-feira, 24 de agosto de 2010

A Trapaceira - Mais uma aventura de Sony Boy




Era uma noite no meio de um inverno rigoroso cheio de neve numa cidade no meio do coração da América. O vento gelado corta a pele da cara de um jornaleiro ambulante que grita:
“Extra! Extra! Morre baterista de jazz no Morrison Hotel de Nova York sob curiosas e macabras circunstâncias! Leiam enquanto ainda está quente!”
Há poucas quadras daquele pequeno e mal agasalhado personagem, pessoas do pior tipo, cuja vida não passou de azar, aglomeram-se no bordel para fugir do frio e da solidão. A casa está lotada nessa noite de fumaça, conversas, risos, brigas, dançarinas tirando a roupa por gorjetas e uma banda chamada “Lap Dance” tocando um blues rasgado da melhor sonoridade com um piano velho, um saxofone e uma negra seminua cantando uma letra obscena. A luz do estabelecimento iluminara todo o ambiente de vermelho. O nome da casa é Blecaute Blues. A dona e cafetina se chama Alessandra Facada nas Costas, mulher de meia idade ainda atraente, ainda perigosa e muito esperta. Eu bebo um uísque feito na banheira de um dos contrabandistas mais quentes de Chicago enquanto penso:
“Ah, a insanidade! O que podemos dizer sobre a insanidade? Só duas coisas: ela pode matar e a outra eu não lembro. Maldita pancada na cabeça! Está tudo girando e escurecendo. Acorda merda! Não posso me dar o luxo de cair no sono nesse momento. Esse sangue que escorre da minha cabeça é quente e o sangue da minha boca é salgado. Acho que perdi um dente. É, certamente, eu perdi um dente.”
São duas horas da manhã quando o show da banda Lap Dance termina. Depois do incidente no laboratório de drogas que deformou a metade da minha cara, não tenho conseguindo transar nem pagando. As dançarinas e prostitutas do bar passam por mim como se eu fosse um fantasma. Eu não as culpo. Levaram meses para eu poder me olhar no espelho sem vomitar. O pequeno saxofonista fala com a Alessandra Facada nas Costas, atravessa a pista e senta-se à mesa em que estou de frente para mim. O músico em questão parecia nervoso, mas provavelmente tinha acabado de cheirar um monte de cocaína. Ele estava rangendo os dentes e tremia o corpo inteiro. Garoto bonito de cabelos pretos, vinte anos e as olheiras de alguém que nunca dorme.
-Olá, Sonny! Você a encontrou? - Ele me perguntou.
-Sim. Ela está morta. - Eu respondi acendendo um cigarro. O garoto ficou abalado. Sua expressão mudou como se estivesse mastigando merda. Seu nome é Little Peter, ele procurou a minha agência de investigação há um ano, após sua noiva, Marie, o abandonar por um contrabandista. Era um trabalho simples que bastava gastar um dia por semana para saber como ela estava. Isso, é claro, sem ela saber. Mas teve uma semana em que ela e o contrabandista chamado de Canino sumiram e não foi possível encontrá-los durante três meses até o dia de ontem depois que Little Peter recebeu um telegrama que dizia:
“Querido, sinto sua falta. Quero voltar pra você, mas preciso de dinheiro. Por favor, mande mil dólares. Se você não quiser mais me ver, eu entendo. Mas, por favor, mande o dinheiro mesmo assim. Sua M.”
-O que aconteceu? – Ele perguntou ainda mastigando merda. Eu me odiei nesse momento. Little Peter é um cara legal, embora fosse muito ingênuo e um tanto estúpido, ele realmente amava a moça. Desde a primeira vez em que falei com ele me solidarizei com seu caso, e é de partir o coração vê-lo sofrendo dessa maneira. Obviamente ele a queria de volta e me mandou para o endereço indicado para levar o dinheiro e se possível buscar Marie.
-O telegrama era uma falcatrua de um vigarista de baixa categoria. Ele arranjou uma garota parecida com a Marie. A princípio ele fingiu que não sabia de nada, mas após pressionar os dois ameaçando prendê-los por fraude, eles me deram o endereço do Canino. O nome do vigarista era John, a garota se chama Judy.
-Era John? – Little Peter perguntou.
- Ele morreu também. Não se preocupe. Irei explicar tudo exatamente como aconteceu. Eu deixei um policial cuidando do John e Judy e fui ao endereço dado com o plano de dizer que estava investigando um assalto a banco e como é comum um detetive tentar incriminar qualquer bandido por qualquer crime, Marie não saberia que ela estava sendo investigada, e como a descrição do assaltante é bem diferente do macaco do Canino ele não ficaria nervoso com a situação, mas ninguém atendeu. Então eu falei com a senhoria, ela abriu o apartamento e eu encontrei a Marie morta no chão da cozinha com apenas um olho roxo como ferimento. Voltei para o endereço do telegrama para ter um papo com John. Ele confessou ser amante da Marie e ele confessou ter planejado o golpe para terem dinheiro para fugirem do Canino. Porém antes de contar mais, Canino apareceu na janela do apartamento na escada de incêndio, deu dois tiros na cara de John e fugiu. Eu fui atrás dele trocando tiros por duas quadras. Quando nossas balas acabaram eu tentei dominá-lo no mano a mano, mas como pode ver acabei levando uma bela surra.
- Puta merda!
- Algumas horas depois Canino foi morto por dois policiais no cais.
-Puta merda! Não sobrou ninguém?
-Apenas Judy.
-O que essa aí tem de importante? Ela sabe de algo? Como Marie morreu?
-Ela foi envenenada.
-Puta merda! Por quem?
-Por ela mesma.
-Está me dizendo que foi suicídio?! Não! Isso é impossível! Ela era vaidosa demais para se matar. Aposto que foi a Judy! Aposto que ela tinha um caso com o John e quando descobriu que ele ia fugir com Marie, ela planejou tudo. Envenenou a Marie de forma que fizesse o Canino pensar que John fosse o culpado, sabendo que o Canino mataria John. Assim ela se vingaria dos dois em uma só jogada.
-Essa é uma teoria razoável, considerando o que você sabe até agora. Talvez você desse um detetive melhor do que eu. Por um tempo nós acreditamos nessa hipótese e seguramos Judy por algumas horas na delegacia. Até que chegou a autópsia. Marie estava sendo envenenada há dois meses e Judy estava cumprindo pena por prostituição até duas semanas atrás. Então tudo ficou claro. Marie havia feito isso, mas não pra acabar com a própria vida. Ela planejara o assassinato de Canino com John. Ela tomou o veneno em pequenas doses, aumentando-as gradativamente até acostumar seu organismo, assim quando fizesse a comida envenenada para Canino, a polícia não suspeitaria dela já que ela também teria se alimentado do mesmo prato, mas foi impaciente e aumentou demais a última dose.
-Puta merda! Essa é a pior história que eu já ouvi na vida.
-Sim. Não é nada bonita. É apenas a verdade crua. A vida é assim. Não há finais felizes nem uma lição de moral enfeitada. É tudo sujo, feio e triste. Sinto muito.
-Você fez o que devia ser feito. E por isso sou grato. Você está um trapo. Uma das garotas da casa já foi enfermeira. Vá para o meu quarto lá encima. Ela cuidará de você.

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